Os Jogos Olímpicos de 1956, os décimo-sextos da Olimpíada, ocorreram em Melbourne, Austrália. Apresentaram vários aspectos: foram os primeiros a serem realizados no Hemisfério Sul, alterando os calendários e as preparações dos atletas; pouca participação de atletas pelo fato da Austrália se localizar em um local remoto; competições de Hipismo realizadas na Suécia por causa das leis australianas de quarentena; problemas de organização; boicotes, como os de Holanda, Espanha e Suíça, em protesto à invasão soviética na Hungria, e os de Iraque, Egito e Líbano pela invasão do Canal de Suez por tropas britânicas, francesas e israelenses; a primeira participação de uma Alemanha unificada depois da divisão política; a desistência da China Comunista por causa do reconhecimento de Taiwan; a universalização do movimento olímpico, chegando a um continente diferente de Europa e América; o conflito, além das fronteiras esportivas, entre húngaros e soviéticos numa partida de Pólo Aquático; a união dos atletas na Cerimônia de Encerramento sem estarem divididos em nações; a vitória soviética no quadro de medalhas, levando os Estados Unidos a reconhecerem a necessidade de financiamento estatal; a boa receptividade do povo australiano;
A escolha da cidade australiana de Melbourne para sediar os Jogos Olímpicos de 1956 foi dramática, pois a vitória sobre a argentina Buenos Aires ocorreu por apenas um voto. Fauria (1968, p. 305), explica como se deu o processo de escolha:
Na sessão de 1949, do Comitê Olímpico Internacional, celebrada em Roma, apresentaram-se oito candidaturas para os Jogos Olímpicos de 1956: Montreal, Minneapolis, Buenos Aires, Cidade do México, Los Angeles, São Francisco, Chicago, Filadélfia e Melbourne. Na quarta rodada de votação os Jogos foram adjudicados a Melbourne por 21 votos a seu favor por 20 de Buenos Aires
Fauria (1968) ainda afirma que a escolha foi muito bem acolhida pelo Comitê Olímpico Internacional, significando que o olimpismo moderno estava ingressando em um novo continente, depois dos Jogos Olímpicos terem sido celebrados dez vezes na Europa e duas nos Estados Unidos. Fauria (1968) ainda ressalta que pela primeira vez os Jogos foram disputados no Hemisfério Sul. Notamos que apesar do Comitê Olímpico Internacional ter inovado na escolha, cuidou para que um país tradicional no mundo esportivo abrigasse o evento, evitando aventuras e riscos que comprometessem a realização do evento. Arnold (1983) também observa a primeira realização dos Jogos Olímpicos no Hemisfério Sul, e indica que eles ocorreram no final do ano, de 22 de Novembro a 08 de Dezembro. Wallechinsky (2004) informa que este foi o período mais distante no ano que uma edição olímpica foi disputada. Kelly (1972) entende que a escolha de Melbourne também teve como objetivo homenagear o país que esteve presente em todas as edições anteriores dos Jogos Olímpicos desde seu renascimento em 1896. Mas Carbonetto (1995) enxerga a escolha de forma mais ampla, explicando que o Comitê Olímpico Internacional quis aplicar o princípio da rotação de continentes, pretendendo dar aos Jogos uma dimensão mundial, porque não se justificava ficarem restritos à Europa e aos Estados Unidos. Acrescenta que a escolha da cidade australiana foi obrigatória porque os países asiáticos e africanos não estavam preparados para abrigar um evento tão complexo. Cabe lembrar que a escolha se deu em 1949 e que o Japão, que já havia sido escolhido em 1940, estava recuperando-se da guerra. Gherarducci (1984) lembra que Tóquio havia previamente anunciado que concorreria para sediar os Jogos em 1960, saindo da disputa para 1956.
Entretanto, vários problemas surgiram antes dos Jogos. Em 1951, o Comitê Olímpico Internacional foi informado que, em virtude das rígidas leis australianas de quarentena, as competições eqüestres não poderiam ser realizadas em Melbourne. Na Austrália, a lei estipulava que animais só poderiam ser importados após respeitarem uma quarentena de seis meses. Além disso, havia uma limitação que permitia a importação de animais de apenas 2 ou 3 países. O principal objetivo da lei era evitar uma epidemia entre os cavalos australianos (SHTEINBAKH, 1981). Gherarducci (1984) informa que apenas os cavalos vindos da Irlanda e da Grã-Bretanha não precisavam respeitar a quarentena, e o Comitê Olímpico Internacional argumentou que os cavalos destes países poderiam ser infectados no contato com os dos outros países. Ainda assim, não conseguiu persuadir o governo australiano. Fauria (1968) comenta que, diante do rigor da lei e da impossibilidade de conceder os Jogos a outra cidade, decidiu-se trasladar as provas de Hipismo para outra cidade, o que violava as regras do Comitê Olímpico Internacional. Numa votação secreta em 1954, em Atenas, a cidade sueca de Estocolmo foi a escolhida para abrigar as competições eqüestres, obtendo 25 votos contra 10 de Paris, 8 do Rio de Janeiro e de Berlim, e 2 de Los Angeles. Allen (1976, p.69) expõe a resistência do COI: "Em violação à carta olímpica, foi relutantemente decidido que os esportes eqüestres seriam realizados em outro país". Allen (1976) informa que as competições de Hipismo ocorreram de 10 a 17 de Junho, com a participação de 69 países. Acreditamos que a decisão do Comitê Olímpico Internacional de realizar as competições de Hipismo em outro local foi a mais acertada, pois acabou não prejudicando os praticantes da modalidade que puderam, ainda que num período completamente diferente e sem viver a confraternização com atletas de outros esportes na Vila Olímpica, disputar os Jogos Olímpicos. A atitude do COI evitou que as competições de Hipismo tivessem uma lacuna na sua história olímpica. Carbonetto (1995) conclui que os Jogos de Melbourne foram os primeiros que se realizaram em dois países e em períodos diferentes.
Politicamente o mundo passava por um conturbado momento, que infelizmente atingiu seu ápice no mês de início dos Jogos Olímpicos, em Novembro. A União Soviética invadiu a Hungria para sufocar um movimento político que clamava por mais liberdade, e tropas britânicas e francesas, ajudando os israelenses, marcharam para o Canal de Suez para guerrear com o Egito, que pretendia nacionalizar o território. As represálias destas ações bélicas acabaram resultando no boicote de algumas nações aos Jogos Olímpicos. Espanha, Holanda e Suíça se ausentaram dos Jogos em protesto à invasão soviética na Hungria, enquanto Egito, Iraque e Líbano boicotaram o evento protestando contra a situação no Canal de Suez. A China Comunista também se retirou dos Jogos por não aceitar o reconhecimento de Taiwan. A Argélia também não se fez representar em Melbourne porque estava empenhada há 2 anos na luta pela sua independência. O único aspecto positivo foi a participação conjunta da Alemanha do Leste e do Oeste, fato que se repetiria ainda em 1960 e 1964. Wallechinsky (2004, p.13) elenca os acontecimentos sucintamente, mas se esquece de mencionar as questões chinesa e argelina:
As Olimpíadas de 1956 foram feridas por dois boicotes. Egito, Iraque e Líbano retiraram-se em protesto à invasão do Canal de Suez liderada por Israel, e Holanda, Espanha e Suíça boicotaram em protesto à invasão soviética na Hungria. Por outro lado, a Alemanha Ocidental e a Oriental inscreveram uma equipe combinada. Este acordo continuou pelas duas Olimpíadas seguintes
Fauria (1968) também menciona os problemas de boicote que afetaram o olimpismo, ressaltando, assim como Wallechinsky, os boicotes provocados pela invasão da Hungria e pela situação no Canal de Suez, mas acrescenta que a China Continental boicotou os Jogos por causa do reconhecimento de Taiwan. Arnold (1983) informa que os holandeses se retiraram pela violência soviética na Hungria e que o Egito queria a desclassificação de seus agressores. Allen (1976) exagera ao afirmar que a revolução na Hungria e a invasão do Canal de Suez poderiam levar a uma guerra maior, inclusive com a utilização de armas atômicas. Carbonetto (1995) e Gherarducci (1984) são os únicos a mencionar que a Argélia não se representou por estar envolvida há dois anos na guerra pela sua independência. Schaap (1967) menciona que algumas pessoas sugeriram que os Jogos fossem cancelados por causa dos conflitos que eclodiram logo antes do seu início. Felizmente, prevaleceu a posição de Avery Brundage, polêmico presidente do Comitê Olímpico Internacional, que colocava os Jogos Olímpicos acima de quaisquer outros interesses, e os Jogos de Melbourne foram realizados. Fauria (1968, p. 308) transcreve as palavras de Brundage sobre os boicotes:
Toda pessoa civilizada rechaça com horror a selvagem matança na Hungria; mas não é esta uma razão para destruir o ideal de cooperação internacional e de boa vontade próprio do Movimento Olímpico. Os Jogos Olímpicos são competições entre indivíduos, mas não entre nações. Neste mundo imperfeito, se a participação no esporte deve ser tratada cada vez que os políticos violem as leis da Humanidade, haveria muito poucas competições internacionais. Não seria melhor buscar uma forma de se fazer conhecer o espírito esportivo e o ideal olímpico em outros lugares?
Giller (1984, p.139) também emite palavras de Brundage sobre um provável cancelamento dos Jogos: "Os Jogos não serão cancelados. Nós não deixaremos qualquer país utilizar as Olimpíadas para propósitos políticos. Os Jogos proporcionam competições entre indivíduos, não entre nações".
A questão da China Comunista merece um melhor esclarecimento, pois parece ter surgido a idéia do boicote pouco antes dos Jogos. Varela (1988) informa que, há poucas semanas da abertura dos Jogos, a China Continental desistiu da participação, alegando que a presença da China de Formosa tinha caráter político e que não podia compartilhar a participação com Taiwan. Allen (1976 , p.69) parece elucidar melhor os fatos: "(...) Três dias mais tarde, em 9 de Novembro, a República Popular da China retirou-se dos Jogos porque a República da China (Taiwan) tinha sido permitida competir". Allen (1976) prossegue expondo o discurso do representante chinês (1976,p.69): "O Comitê Olímpico Chinês, a Federação Atlética de toda a China, solenemente declara que o povo chinês e os atletas chineses não podem tolerar este esquema de China artificialmente rachada". Conforme Carbonetto (1995), os dirigentes maoístas retornaram à China depois de verem a bandeira da China Nacionalista ser hasteada na Vila Olímpica. Carbonetto (1995) ainda lembra que a China só retornaria aos Jogos de Verão em 1984.
Mas a posição chinesa sobre o assunto parece melhor exposta no livro "Coleccion China - Cultura Fisica Y Sanidad" (1984, ps. 122 e 123):
Na 49ª Conferência Plenária celebrada em Atenas em Maio de 1954, o Comitê Olímpico Internacional reconheceu a China como membro, com 32 votos a favor e 21 votos contra. Mas a "Associação Desportiva da China" de Taiwan foi ilegalmente registrada na lista dos países membros do Comitê Olímpico Internacional, sem discussão alguma em nenhuma conferência, o que criou uma situação de "duas Chinas" quanto a organizações desportivas. O Comitê Olímpico Chinês realizou várias diligências e apresentou protestos diante do Internacional, mas todas resultaram inúteis. Ainda que tenha feito preparativos para a participação nos XVI Jogos Olímpicos, a China decidiu não tomar parte neles em sinal de protesto pela conduta de menosprezo e despojo do legítimo direito do povo chinês. Abaixo destas circunstâncias, o Comitê Olímpico Chinês decidiu, no dia 19 de Agosto de 1958, interromper suas relações com o Comitê Olímpico Internacional
Infelizmente, a participação chinesa nos Jogos Olímpicos esteve muito afetada por fatores políticos, tanto internos como externos. Externamente, as rivalidades que manteve com Taiwan, que tinha o apoio do ocidente, fizeram com que permanecesse alijada dos Jogos Olímpicos. Internamente, a Revolução Cultural acabou aprofundando ainda mais o isolamento chinês do mundo esportivo. Apenas em 1979 o Comitê Olímpico da República Popular da China foi reconhecido como "Comitê Olímpico Chinês" pelo Comitê Olímpico Internacional. Assim, a China retornou ao movimento olímpico e participou, já em 1980, dos Jogos de Inverno de 1980, disputados em Lake Placid, nos Estados Unidos.
A Hungria acabou chamando para si toda a atenção internacional. Em 4 de Novembro havia sido invadida pela União Soviética, que procurava esmagar uma revolução popular. O acontecimento levou a um forte protesto internacional, sendo que Holanda, Espanha e Suíça decidiram boicotar os Jogos como forma de protesto e de solidariedade ao povo húngaro. Entretanto, os húngaros participaram dos Jogos. Alguns estavam a caminho da Austrália antes da invasão soviética, e outros esperavam por um avião em Praga, na Tchecoslováquia. A violência na Hungria se intensificou e eles não puderam retornar a Budapeste e seguiram para Melbourne, mas temendo pelas suas famílias. Foram recebidos pelos refugiados que haviam partido antes, pelos australianos e pela imprensa, e presenteados com flores e simpatia (ARNOLD, 1983). Ironicamente, os que já estavam a caminho da Austrália pegaram carona num navio soviético, o Gruzia. Os húngaros não se intimidaram diante dos soviéticos. Na Vila Olímpica, hastearam a bandeira da Hungria livre, após terem retirado o símbolo comunista. Depois dos Jogos, 45 integrantes da delegação húngara não retornaram ao seu país (SCHAAP, 1967). Muitos outros, como ressalta Arnold (1983), não tiveram muita escolha e retornaram à Hungria por terem deixado familiares no país.
A Alemanha, dividida depois da Segunda Guerra Mundial, também era fator de problemas. A Alemanha Oriental desejava reingressar aos Jogos Olímpicos desde a sua exclusão depois da Segunda Guerra Mundial, mas não recebeu reconhecimento do Comitê Olímpico Internacional, pois não era reconhecida por boa parte do mundo. A solução encontrada foi negociar um acordo através do qual a Alemanha Ocidental e a Oriental competiriam nos Jogos Olímpicos como uma equipe. Com isso, os vencedores alemães entre 1956 e 1964 receberam suas medalhas diante de um hino e de uma bandeira acordados. O hino era uma composição de Beethoven (TOOMEY & KING, 1988). A participação conjunta de alemães orientais e ocidentais possibilitou à Alemanha obter melhores colocações nos quadros de medalhas. Kluge (1998) informa que, da delegação de 159 atletas inscritos nos Jogos de 1956, um total de 123 pertenciam ao Oeste e apenas 36 aos Leste. No total, a Alemanha somou 26 medalhas (6-13-7), 19 com a Alemanha Ocidental, 6 com a Oriental e 1 com a combinada. Posteriormente, a partir de 1972, a Alemanha Oriental ultrapassaria a Alemanha Ocidental por larga margem nos Jogos Olímpicos.
Varela (1988) acredita que a atitude dos países que boicotaram os Jogos abriu um perigoso precedente que foi seguido posteriormente por outros países. Logicamente, Varela se refere aos intensos boicotes que atingiram o movimento olímpico de 1976 a 1988.
O fato dos Jogos terem sido realizados em Melbourne e no final do ano fizeram com que os atletas alterassem seus programas de treinamento para atingirem o pico de sua forma física no período olímpico. Curiosamente, o verão australiano coincidia com o inverno europeu e norte-americano, sendo que os atletas daquela região tiveram que suportar a brusca mudança de temperatura. Giller (1984, p.139) comenta a questão: "Pela primeira vez, os Jogos Olímpicos foram celebrados no hemisfério sul e fora de temporada para muitos competidores, que tiveram que fazer preparações especiais para atingirem o ápice da forma em Novembro e Dezembro de 1956". Carbonetto (1995) também menciona que alguns atletas protestaram por competirem num período em que estavam acostumados a recuperarem as forças após os desgastes da temporada. Mas Varela (1988) acredita que, por causa da época de realização, os Jogos Olímpicos foram alijados da atenção esportiva que se polarizava na Europa e nos Estados Unidos.
Na Austrália o Instituto Gallup havia constatado que 80% da população de Melbourne apoiavam os Jogos, mas em todo o país o índice de aprovação era de apenas 60%. A Organização dos Jogos precisou recorrer a uma loteria mundial para financiar os custos. Em Melbourne também se organizou uma loteria interna. As instalações consumiram 14 milhões de dólares, sendo que para a principal, a do estádio olímpico, foi destinado o Melbourne Cricket Ground, com capacidade para 110.000 espectadores (FAURIA, 1968). Como lembra Arnold (1983), os australianos tiveram que suportar tantos atrasos na construção dos locais de competição que o Presidente do COI, Avery Brundage, precisou viajar ao local para fazer uma inspeção. Mesmo após o início dos Jogos a pista de treinamento da Vila Olímpica ainda não estava pronta. Allen (1976) acrescenta que as disputas acerca da televisão e da filmagem das competições e as reportagens mencionando o atraso nas obras provocaram a viagem de Brundage. Carbonetto (1995), por sua vez, concorda que as instalações esportivas eram ótimas, mas lamenta que as distâncias da Vila Olímpica aos locais de competição constrangeram os atletas a viagens diárias e que as disputas de vela foram realizadas num local cheio de peixes, desagradando aos velejadores. Fauria (1968, p. 309) comenta sobre a Vila Olímpica: "(...) A Vila Olímpica de Heidelberg foi erguida a 12 quilômetros da cidade, em forma de casinhas e num número de 841, que logo foram entregues à população". Kelly (1972) explica que na verdade foram duas Vilas Olímpicas, uma para os homens e outra para as mulheres, e que além de residências confortáveis havia os edifícios para a Administração. E Varela (1988) conclui que na Vila Olímpica predominou um ambiente fraterno e esportivo entre os atletas.
A população australiana foi hospitaleira com seus hóspedes, mas se recusou a modificar seus costumes, uma característica anglo-saxônica. Um dos pontos mais importantes dizia respeito ao horário de fechamento de estabelecimentos que vendiam bebidas alcoólicas, que era às 18 horas. Os organizadores dos Jogos, buscando agradar aos visitantes, desejavam que o horário fosse ampliado. A população foi consultada a respeito e se recusou a modificá-lo, com cerca de 750.000 pessoas contrárias e 485.000 a favor (FAURIA, 1968).
Os Jogos Olímpicos de 1956 foram oficialmente inaugurados no dia 22 de Novembro e encerrados no dia 08 de Dezembro, embora os eventos eqüestres tenham sido disputados, antecipadamente, em Estocolmo, Suécia, entre os dias 10 e 17 de Junho do mesmo ano. Um total de 3.182 atletas, representando 69 países, incluindo 370 mulheres, competiu em 145 provas distribuídas dentre 18 modalidades esportivas. O evento em Estocolmo havia reunido 159 atletas, representando 29 países, incluindo 12 mulheres, que competiram em 6 provas (KLUGE, 1998).
Os movimentos de independência das nações africanas e asiáticas continuaram inflando o número de participantes dos Jogos Olímpicos. Segundo Wallechinsky (2004), o número de países participantes em Melbourne e Estocolmo chegou a 72, novo recorde, mesmo com os boicotes. Shteinbakh (1981) menciona as estréias de: Quênia, Libéria, Malásia, Formosa (atual Taiwan), Uganda, Fiji e Etiópia. Entretanto, também afirma que o número de atletas participantes foi menor do que nos Jogos de 1948 e de 1952, pois muitos países tiveram que diminuir suas delegações por causa dos altos custos de viagem. Arnold (1983) acrescenta que a participação de atletas foi a menor desde 1932.
A Cerimônia de Abertura apresentou algumas peculiaridades, como: o desmaio de vários atletas por causa do calor, dentre eles o da soviética Galina Zybina, campeã do arremesso de peso em 1952; o acidente sofrido por Ronald Clarke, último homem do revezamento da tocha, que se queimou ao acender a pira olímpica; os intensos aplausos do público à delegação húngara (ARNOLD, 1983). Carbonetto (1995) acrescenta que a delegação soviética foi recebida com um silêncio glacial, que significava a desaprovação do público pelos incidentes ocorridos na Hungria.
Naturalmente, ainda que isoladamente, o clima de tensão mundial acabou se refletindo nas competições esportivas. Foi na fase final do torneio de Pólo Aquático, no jogo entre Hungria e União Soviética, que ocorreu o incidente mais grave. Assim descreve Giller (1984, p.144):
Houve distúrbio na piscina quando a Hungria encontrou a Rússia numa partida de pólo aquático que se tornou uma guerra. O jogo foi quase literalmente um banho de sangue. A polícia foi chamada para acalmar igualmente os jogadores e os espectadores após o supercílio de um jogador húngaro ter sido aberto durante um choque com um oponente russo. Os húngaros eventualmente venceram por 4-0 e seguiram para conquistar a medalha de ouro
Schaap (1967) esclarece que os torcedores, muitos expatriados políticos, insultaram os jogadores soviéticos e que os jogadores húngaros também aproveitaram a ocasião para atingir os representantes do país que os havia invadido. Segundo Schaap (1967), a colisão entre os jogadores ocorreu a 2 minutos do fim da partida e os jogadores envolvidos foram o soviético Valentin Prokopov e o húngaro Ervin Zador. Greenberg (1987) informa que o árbitro teve que encerrar o jogo antes do seu término, e Arnold (1983) acrescenta que os jogadores soviéticos buscaram segurança. Toomey e King (1988) complementam que a equipe soviética, preocupada com a torcida pró-Hungria, teve que ser escoltada da arena por um batalhão de guardas. Convém lembrar que a ocorrência foi, de certa forma, isolada. Na Ginástica Artística feminina, Hungria e União Soviética travaram uma emocionante disputa, em que não foi registrado qualquer incidente. As duas maiores ginastas da época, a soviética Larissa Latynina e a húngara Agnes Keleti, conviveram pacificamente.
Carbonetto (1995) informa que os resultados das competições esportivas não foram tecnicamente esplêndidos por causa do forte vento que predominou durante os Jogos e pelo fato deles terem sido disputados numa época do ano que levou os atletas europeus e norte-americanos a trocarem bruscamente o rigoroso inverno pelo tórrido verão australiano. Não compartilhamos integralmente da idéia de Carbonetto, pois foram registrados recordes mundiais no Atletismo, na Natação e no Levantamento de Peso. Além disso, Kaiser (2000) informa que foram batidos mais recordes mundiais e olímpicos do que em 1948 e 1952. Certamente, Carbonetto (1995) prestou atenção apenas aos resultados do Atletismo masculino.
Os australianos, objetivando criar maior empolgação em seu público, provocaram uma mudança no calendário olímpico ao colocar a realização das provas de Atletismo antes das de Natação, para que os nadadores australianos, favoritos à conquista das medalhas, garantissem aos torcedores australianos as últimas alegrias dos Jogos. O público havia comprado todos os ingressos e se preparou, inclusive, para pagar as entradas para assistir aos treinamentos (ALLEN, 1976). A Austrália encerrou os Jogos na terceira colocação no quadro de medalhas ao somar um total de 35, 13 de ouro, ficando atrás apenas dos dois gigantes, União Soviética e Estados Unidos.
A disputa entre soviéticos e norte-americanos novamente obteve destaque. Os soviéticos, conforme os Jogos chegavam ao seu final, diminuíram a diferença de pontos em relação aos Estados Unidos e, na quinta-feira da segunda semana, com os resultados da Ginástica e da Luta Greco-romana, ultrapassaram-nos, chegando a 690,5 pontos contra 558,5 dos rivais. O jornal soviético Komsomolskaya Pravda chamou o aquele dia de "a quinta-feira dourada do esporte soviético" e enfatizou que a liderança norte-americana havia sido liquidada. No final, os soviéticos somaram 37 medalhas de ouro e 722 pontos não-oficiais, enquanto os norte-americanos ficaram com 32 medalhas de ouro e 593 pontos. A União Soviética tornou-se a nação atlética mais forte do mundo. Apesar da disputa entre as superpotências, os atletas de ambos os lados se fraternizaram livremente nos centros sociais da Vila Olímpica, e a União Soviética, desta vez, não ficou numa vila isolada (SCHAAP, 1967). Carbonetto (1995) afirma que o regime de Krutchov utilizava ao máximo o esporte como propaganda ideológica, beneficiando os atletas bem-sucedidos, fazendo com que nos Estados Unidos se iniciassem movimentos pedindo subvenções públicas para garantir uma boa participação olímpica. Gherarducci (1984) lembra que o domínio soviético levou o Presidente norte-americano Dwight David Eisenhower a pedir a seu vice Richard Nixon que elaborasse um plano para melhorar o esporte no país, principalmente o feminino. Realmente, o ano de 1956 marcou um período de glória para o esporte soviético, que liderou os quadros de medalhas tanto na edição de Inverno, em Cortina D'Ampezzo, na Itália, quanto na de Verão, em Melbourne, Austrália. A partir de 1956, a União Soviética firmou-se como a maior potência olímpica do planeta. Porém, conforme Arnold (1983), Avery Brundage continuou afirmando que as designações "equipe soviética" ou "equipe dos Estados Unidos" não eram oficiais. Fazia questão de lembrar que os Jogos Olímpicos eram, estritamente, uma competição entre indivíduos.
Suavizando a tensão da Guerra Fria, cumpre lembrar o envolvimento amoroso ocorrido durante os Jogos Olímpicos entre o norte-americano Harold Connolly e a tchecoslovaca Olga Fikotová. Conheceram-se nos treinamentos na Vila Olímpica e acabaram se apaixonando. Após os Jogos, comunicaram-se por cartas. Connolly conseguiu permissão para se casar com ela na Tchecoslováquia, em 27 de Março de 1957, após intervenção do Departamento de Estado norte-americano. Olga foi viver nos Estados Unidos ao lado de Harold. Tiveram 4 filhos mas acabaram se divorciando em 1974 (ARNOLD, 1983). Olga Fikotová havia vencido a competição de lançamento de disco, enquanto Harold Connolly conquistara a medalha de ouro no lançamento de martelo.
Os Jogos Olímpicos de Melbourne converteram-se num grande sucesso, apesar de toda a instabilidade internacional que os precedeu. Allen (1976) acredita que o charme, a cortesia e a eficiência dos australianos conseguiram garantir o sucesso do evento. Para Arnold (1983), o público australiano desfrutou dos Jogos e se mostraram generosos e eficientes anfitriões. Mas Varela (1988) pondera que o ambiente não foi tão entusiasta e nostálgico como o de 1952, e lembra que não ocorreu em Melbourne o tradicional interesse esportivo que incentivava a invasão turística das cidades que abrigavam os Jogos Olímpicos. Para ele, a longa distância e o alto custo da viagem foram fatores inibidores.
A Cerimônia de Encerramento apresentou uma novidade que passou a integrar as edições futuras dos Jogos Olímpicos. Seguindo sugestões de um garoto australiano de descendência chinesa, os atletas foram incentivados a ingressarem misturados no estádio, sem estarem divididos em nações, representando, conforme Greenberg (1987), a amizade entre os povos. Wallechinsky (2004) lembra que anteriormente os atletas marchavam divididos em nações, como faziam na Cerimônia de Abertura, e que a nova atitude simbolizava a unidade global. Andrews (2000, p. 292) descreve melhor a inovação:
As Olimpíadas de Melbourne também fizeram história pela virtude do modo como terminaram. Previamente, as delegações marchavam da mesma forma que na Cerimônia de Abertura. Mas um estudante de 17 anos, John Ian Wing, escreveu para os organizadores sugerindo que, quando os Jogos se encerrassem, os esportistas e as esportistas deveriam se misturar, não ficando mais do que dois companheiros juntos, e não marchar mas caminhar, acenando para a platéia. Os organizadores concordaram e a sugestão de Wing tornou-se uma realidade que agora é seguida em cada Olimpíada
Schaap (1967) conclui que esta forma de Encerramento foi um fim prazeroso depois de duas semanas tensas e foi uma precursora da boa vontade internacional que prosperou nos Jogos Olímpicos de 1960 em Roma.
A escolha da cidade australiana de Melbourne para sediar os Jogos Olímpicos de 1956 foi dramática, pois a vitória sobre a argentina Buenos Aires ocorreu por apenas um voto. Fauria (1968, p. 305), explica como se deu o processo de escolha:
Na sessão de 1949, do Comitê Olímpico Internacional, celebrada em Roma, apresentaram-se oito candidaturas para os Jogos Olímpicos de 1956: Montreal, Minneapolis, Buenos Aires, Cidade do México, Los Angeles, São Francisco, Chicago, Filadélfia e Melbourne. Na quarta rodada de votação os Jogos foram adjudicados a Melbourne por 21 votos a seu favor por 20 de Buenos Aires
Fauria (1968) ainda afirma que a escolha foi muito bem acolhida pelo Comitê Olímpico Internacional, significando que o olimpismo moderno estava ingressando em um novo continente, depois dos Jogos Olímpicos terem sido celebrados dez vezes na Europa e duas nos Estados Unidos. Fauria (1968) ainda ressalta que pela primeira vez os Jogos foram disputados no Hemisfério Sul. Notamos que apesar do Comitê Olímpico Internacional ter inovado na escolha, cuidou para que um país tradicional no mundo esportivo abrigasse o evento, evitando aventuras e riscos que comprometessem a realização do evento. Arnold (1983) também observa a primeira realização dos Jogos Olímpicos no Hemisfério Sul, e indica que eles ocorreram no final do ano, de 22 de Novembro a 08 de Dezembro. Wallechinsky (2004) informa que este foi o período mais distante no ano que uma edição olímpica foi disputada. Kelly (1972) entende que a escolha de Melbourne também teve como objetivo homenagear o país que esteve presente em todas as edições anteriores dos Jogos Olímpicos desde seu renascimento em 1896. Mas Carbonetto (1995) enxerga a escolha de forma mais ampla, explicando que o Comitê Olímpico Internacional quis aplicar o princípio da rotação de continentes, pretendendo dar aos Jogos uma dimensão mundial, porque não se justificava ficarem restritos à Europa e aos Estados Unidos. Acrescenta que a escolha da cidade australiana foi obrigatória porque os países asiáticos e africanos não estavam preparados para abrigar um evento tão complexo. Cabe lembrar que a escolha se deu em 1949 e que o Japão, que já havia sido escolhido em 1940, estava recuperando-se da guerra. Gherarducci (1984) lembra que Tóquio havia previamente anunciado que concorreria para sediar os Jogos em 1960, saindo da disputa para 1956.
Entretanto, vários problemas surgiram antes dos Jogos. Em 1951, o Comitê Olímpico Internacional foi informado que, em virtude das rígidas leis australianas de quarentena, as competições eqüestres não poderiam ser realizadas em Melbourne. Na Austrália, a lei estipulava que animais só poderiam ser importados após respeitarem uma quarentena de seis meses. Além disso, havia uma limitação que permitia a importação de animais de apenas 2 ou 3 países. O principal objetivo da lei era evitar uma epidemia entre os cavalos australianos (SHTEINBAKH, 1981). Gherarducci (1984) informa que apenas os cavalos vindos da Irlanda e da Grã-Bretanha não precisavam respeitar a quarentena, e o Comitê Olímpico Internacional argumentou que os cavalos destes países poderiam ser infectados no contato com os dos outros países. Ainda assim, não conseguiu persuadir o governo australiano. Fauria (1968) comenta que, diante do rigor da lei e da impossibilidade de conceder os Jogos a outra cidade, decidiu-se trasladar as provas de Hipismo para outra cidade, o que violava as regras do Comitê Olímpico Internacional. Numa votação secreta em 1954, em Atenas, a cidade sueca de Estocolmo foi a escolhida para abrigar as competições eqüestres, obtendo 25 votos contra 10 de Paris, 8 do Rio de Janeiro e de Berlim, e 2 de Los Angeles. Allen (1976, p.69) expõe a resistência do COI: "Em violação à carta olímpica, foi relutantemente decidido que os esportes eqüestres seriam realizados em outro país". Allen (1976) informa que as competições de Hipismo ocorreram de 10 a 17 de Junho, com a participação de 69 países. Acreditamos que a decisão do Comitê Olímpico Internacional de realizar as competições de Hipismo em outro local foi a mais acertada, pois acabou não prejudicando os praticantes da modalidade que puderam, ainda que num período completamente diferente e sem viver a confraternização com atletas de outros esportes na Vila Olímpica, disputar os Jogos Olímpicos. A atitude do COI evitou que as competições de Hipismo tivessem uma lacuna na sua história olímpica. Carbonetto (1995) conclui que os Jogos de Melbourne foram os primeiros que se realizaram em dois países e em períodos diferentes.
Politicamente o mundo passava por um conturbado momento, que infelizmente atingiu seu ápice no mês de início dos Jogos Olímpicos, em Novembro. A União Soviética invadiu a Hungria para sufocar um movimento político que clamava por mais liberdade, e tropas britânicas e francesas, ajudando os israelenses, marcharam para o Canal de Suez para guerrear com o Egito, que pretendia nacionalizar o território. As represálias destas ações bélicas acabaram resultando no boicote de algumas nações aos Jogos Olímpicos. Espanha, Holanda e Suíça se ausentaram dos Jogos em protesto à invasão soviética na Hungria, enquanto Egito, Iraque e Líbano boicotaram o evento protestando contra a situação no Canal de Suez. A China Comunista também se retirou dos Jogos por não aceitar o reconhecimento de Taiwan. A Argélia também não se fez representar em Melbourne porque estava empenhada há 2 anos na luta pela sua independência. O único aspecto positivo foi a participação conjunta da Alemanha do Leste e do Oeste, fato que se repetiria ainda em 1960 e 1964. Wallechinsky (2004, p.13) elenca os acontecimentos sucintamente, mas se esquece de mencionar as questões chinesa e argelina:
As Olimpíadas de 1956 foram feridas por dois boicotes. Egito, Iraque e Líbano retiraram-se em protesto à invasão do Canal de Suez liderada por Israel, e Holanda, Espanha e Suíça boicotaram em protesto à invasão soviética na Hungria. Por outro lado, a Alemanha Ocidental e a Oriental inscreveram uma equipe combinada. Este acordo continuou pelas duas Olimpíadas seguintes
Fauria (1968) também menciona os problemas de boicote que afetaram o olimpismo, ressaltando, assim como Wallechinsky, os boicotes provocados pela invasão da Hungria e pela situação no Canal de Suez, mas acrescenta que a China Continental boicotou os Jogos por causa do reconhecimento de Taiwan. Arnold (1983) informa que os holandeses se retiraram pela violência soviética na Hungria e que o Egito queria a desclassificação de seus agressores. Allen (1976) exagera ao afirmar que a revolução na Hungria e a invasão do Canal de Suez poderiam levar a uma guerra maior, inclusive com a utilização de armas atômicas. Carbonetto (1995) e Gherarducci (1984) são os únicos a mencionar que a Argélia não se representou por estar envolvida há dois anos na guerra pela sua independência. Schaap (1967) menciona que algumas pessoas sugeriram que os Jogos fossem cancelados por causa dos conflitos que eclodiram logo antes do seu início. Felizmente, prevaleceu a posição de Avery Brundage, polêmico presidente do Comitê Olímpico Internacional, que colocava os Jogos Olímpicos acima de quaisquer outros interesses, e os Jogos de Melbourne foram realizados. Fauria (1968, p. 308) transcreve as palavras de Brundage sobre os boicotes:
Toda pessoa civilizada rechaça com horror a selvagem matança na Hungria; mas não é esta uma razão para destruir o ideal de cooperação internacional e de boa vontade próprio do Movimento Olímpico. Os Jogos Olímpicos são competições entre indivíduos, mas não entre nações. Neste mundo imperfeito, se a participação no esporte deve ser tratada cada vez que os políticos violem as leis da Humanidade, haveria muito poucas competições internacionais. Não seria melhor buscar uma forma de se fazer conhecer o espírito esportivo e o ideal olímpico em outros lugares?
Giller (1984, p.139) também emite palavras de Brundage sobre um provável cancelamento dos Jogos: "Os Jogos não serão cancelados. Nós não deixaremos qualquer país utilizar as Olimpíadas para propósitos políticos. Os Jogos proporcionam competições entre indivíduos, não entre nações".
A questão da China Comunista merece um melhor esclarecimento, pois parece ter surgido a idéia do boicote pouco antes dos Jogos. Varela (1988) informa que, há poucas semanas da abertura dos Jogos, a China Continental desistiu da participação, alegando que a presença da China de Formosa tinha caráter político e que não podia compartilhar a participação com Taiwan. Allen (1976 , p.69) parece elucidar melhor os fatos: "(...) Três dias mais tarde, em 9 de Novembro, a República Popular da China retirou-se dos Jogos porque a República da China (Taiwan) tinha sido permitida competir". Allen (1976) prossegue expondo o discurso do representante chinês (1976,p.69): "O Comitê Olímpico Chinês, a Federação Atlética de toda a China, solenemente declara que o povo chinês e os atletas chineses não podem tolerar este esquema de China artificialmente rachada". Conforme Carbonetto (1995), os dirigentes maoístas retornaram à China depois de verem a bandeira da China Nacionalista ser hasteada na Vila Olímpica. Carbonetto (1995) ainda lembra que a China só retornaria aos Jogos de Verão em 1984.
Mas a posição chinesa sobre o assunto parece melhor exposta no livro "Coleccion China - Cultura Fisica Y Sanidad" (1984, ps. 122 e 123):
Na 49ª Conferência Plenária celebrada em Atenas em Maio de 1954, o Comitê Olímpico Internacional reconheceu a China como membro, com 32 votos a favor e 21 votos contra. Mas a "Associação Desportiva da China" de Taiwan foi ilegalmente registrada na lista dos países membros do Comitê Olímpico Internacional, sem discussão alguma em nenhuma conferência, o que criou uma situação de "duas Chinas" quanto a organizações desportivas. O Comitê Olímpico Chinês realizou várias diligências e apresentou protestos diante do Internacional, mas todas resultaram inúteis. Ainda que tenha feito preparativos para a participação nos XVI Jogos Olímpicos, a China decidiu não tomar parte neles em sinal de protesto pela conduta de menosprezo e despojo do legítimo direito do povo chinês. Abaixo destas circunstâncias, o Comitê Olímpico Chinês decidiu, no dia 19 de Agosto de 1958, interromper suas relações com o Comitê Olímpico Internacional
Infelizmente, a participação chinesa nos Jogos Olímpicos esteve muito afetada por fatores políticos, tanto internos como externos. Externamente, as rivalidades que manteve com Taiwan, que tinha o apoio do ocidente, fizeram com que permanecesse alijada dos Jogos Olímpicos. Internamente, a Revolução Cultural acabou aprofundando ainda mais o isolamento chinês do mundo esportivo. Apenas em 1979 o Comitê Olímpico da República Popular da China foi reconhecido como "Comitê Olímpico Chinês" pelo Comitê Olímpico Internacional. Assim, a China retornou ao movimento olímpico e participou, já em 1980, dos Jogos de Inverno de 1980, disputados em Lake Placid, nos Estados Unidos.
A Hungria acabou chamando para si toda a atenção internacional. Em 4 de Novembro havia sido invadida pela União Soviética, que procurava esmagar uma revolução popular. O acontecimento levou a um forte protesto internacional, sendo que Holanda, Espanha e Suíça decidiram boicotar os Jogos como forma de protesto e de solidariedade ao povo húngaro. Entretanto, os húngaros participaram dos Jogos. Alguns estavam a caminho da Austrália antes da invasão soviética, e outros esperavam por um avião em Praga, na Tchecoslováquia. A violência na Hungria se intensificou e eles não puderam retornar a Budapeste e seguiram para Melbourne, mas temendo pelas suas famílias. Foram recebidos pelos refugiados que haviam partido antes, pelos australianos e pela imprensa, e presenteados com flores e simpatia (ARNOLD, 1983). Ironicamente, os que já estavam a caminho da Austrália pegaram carona num navio soviético, o Gruzia. Os húngaros não se intimidaram diante dos soviéticos. Na Vila Olímpica, hastearam a bandeira da Hungria livre, após terem retirado o símbolo comunista. Depois dos Jogos, 45 integrantes da delegação húngara não retornaram ao seu país (SCHAAP, 1967). Muitos outros, como ressalta Arnold (1983), não tiveram muita escolha e retornaram à Hungria por terem deixado familiares no país.
A Alemanha, dividida depois da Segunda Guerra Mundial, também era fator de problemas. A Alemanha Oriental desejava reingressar aos Jogos Olímpicos desde a sua exclusão depois da Segunda Guerra Mundial, mas não recebeu reconhecimento do Comitê Olímpico Internacional, pois não era reconhecida por boa parte do mundo. A solução encontrada foi negociar um acordo através do qual a Alemanha Ocidental e a Oriental competiriam nos Jogos Olímpicos como uma equipe. Com isso, os vencedores alemães entre 1956 e 1964 receberam suas medalhas diante de um hino e de uma bandeira acordados. O hino era uma composição de Beethoven (TOOMEY & KING, 1988). A participação conjunta de alemães orientais e ocidentais possibilitou à Alemanha obter melhores colocações nos quadros de medalhas. Kluge (1998) informa que, da delegação de 159 atletas inscritos nos Jogos de 1956, um total de 123 pertenciam ao Oeste e apenas 36 aos Leste. No total, a Alemanha somou 26 medalhas (6-13-7), 19 com a Alemanha Ocidental, 6 com a Oriental e 1 com a combinada. Posteriormente, a partir de 1972, a Alemanha Oriental ultrapassaria a Alemanha Ocidental por larga margem nos Jogos Olímpicos.
Varela (1988) acredita que a atitude dos países que boicotaram os Jogos abriu um perigoso precedente que foi seguido posteriormente por outros países. Logicamente, Varela se refere aos intensos boicotes que atingiram o movimento olímpico de 1976 a 1988.
O fato dos Jogos terem sido realizados em Melbourne e no final do ano fizeram com que os atletas alterassem seus programas de treinamento para atingirem o pico de sua forma física no período olímpico. Curiosamente, o verão australiano coincidia com o inverno europeu e norte-americano, sendo que os atletas daquela região tiveram que suportar a brusca mudança de temperatura. Giller (1984, p.139) comenta a questão: "Pela primeira vez, os Jogos Olímpicos foram celebrados no hemisfério sul e fora de temporada para muitos competidores, que tiveram que fazer preparações especiais para atingirem o ápice da forma em Novembro e Dezembro de 1956". Carbonetto (1995) também menciona que alguns atletas protestaram por competirem num período em que estavam acostumados a recuperarem as forças após os desgastes da temporada. Mas Varela (1988) acredita que, por causa da época de realização, os Jogos Olímpicos foram alijados da atenção esportiva que se polarizava na Europa e nos Estados Unidos.
Na Austrália o Instituto Gallup havia constatado que 80% da população de Melbourne apoiavam os Jogos, mas em todo o país o índice de aprovação era de apenas 60%. A Organização dos Jogos precisou recorrer a uma loteria mundial para financiar os custos. Em Melbourne também se organizou uma loteria interna. As instalações consumiram 14 milhões de dólares, sendo que para a principal, a do estádio olímpico, foi destinado o Melbourne Cricket Ground, com capacidade para 110.000 espectadores (FAURIA, 1968). Como lembra Arnold (1983), os australianos tiveram que suportar tantos atrasos na construção dos locais de competição que o Presidente do COI, Avery Brundage, precisou viajar ao local para fazer uma inspeção. Mesmo após o início dos Jogos a pista de treinamento da Vila Olímpica ainda não estava pronta. Allen (1976) acrescenta que as disputas acerca da televisão e da filmagem das competições e as reportagens mencionando o atraso nas obras provocaram a viagem de Brundage. Carbonetto (1995), por sua vez, concorda que as instalações esportivas eram ótimas, mas lamenta que as distâncias da Vila Olímpica aos locais de competição constrangeram os atletas a viagens diárias e que as disputas de vela foram realizadas num local cheio de peixes, desagradando aos velejadores. Fauria (1968, p. 309) comenta sobre a Vila Olímpica: "(...) A Vila Olímpica de Heidelberg foi erguida a 12 quilômetros da cidade, em forma de casinhas e num número de 841, que logo foram entregues à população". Kelly (1972) explica que na verdade foram duas Vilas Olímpicas, uma para os homens e outra para as mulheres, e que além de residências confortáveis havia os edifícios para a Administração. E Varela (1988) conclui que na Vila Olímpica predominou um ambiente fraterno e esportivo entre os atletas.
A população australiana foi hospitaleira com seus hóspedes, mas se recusou a modificar seus costumes, uma característica anglo-saxônica. Um dos pontos mais importantes dizia respeito ao horário de fechamento de estabelecimentos que vendiam bebidas alcoólicas, que era às 18 horas. Os organizadores dos Jogos, buscando agradar aos visitantes, desejavam que o horário fosse ampliado. A população foi consultada a respeito e se recusou a modificá-lo, com cerca de 750.000 pessoas contrárias e 485.000 a favor (FAURIA, 1968).
Os Jogos Olímpicos de 1956 foram oficialmente inaugurados no dia 22 de Novembro e encerrados no dia 08 de Dezembro, embora os eventos eqüestres tenham sido disputados, antecipadamente, em Estocolmo, Suécia, entre os dias 10 e 17 de Junho do mesmo ano. Um total de 3.182 atletas, representando 69 países, incluindo 370 mulheres, competiu em 145 provas distribuídas dentre 18 modalidades esportivas. O evento em Estocolmo havia reunido 159 atletas, representando 29 países, incluindo 12 mulheres, que competiram em 6 provas (KLUGE, 1998).
Os movimentos de independência das nações africanas e asiáticas continuaram inflando o número de participantes dos Jogos Olímpicos. Segundo Wallechinsky (2004), o número de países participantes em Melbourne e Estocolmo chegou a 72, novo recorde, mesmo com os boicotes. Shteinbakh (1981) menciona as estréias de: Quênia, Libéria, Malásia, Formosa (atual Taiwan), Uganda, Fiji e Etiópia. Entretanto, também afirma que o número de atletas participantes foi menor do que nos Jogos de 1948 e de 1952, pois muitos países tiveram que diminuir suas delegações por causa dos altos custos de viagem. Arnold (1983) acrescenta que a participação de atletas foi a menor desde 1932.
A Cerimônia de Abertura apresentou algumas peculiaridades, como: o desmaio de vários atletas por causa do calor, dentre eles o da soviética Galina Zybina, campeã do arremesso de peso em 1952; o acidente sofrido por Ronald Clarke, último homem do revezamento da tocha, que se queimou ao acender a pira olímpica; os intensos aplausos do público à delegação húngara (ARNOLD, 1983). Carbonetto (1995) acrescenta que a delegação soviética foi recebida com um silêncio glacial, que significava a desaprovação do público pelos incidentes ocorridos na Hungria.
Naturalmente, ainda que isoladamente, o clima de tensão mundial acabou se refletindo nas competições esportivas. Foi na fase final do torneio de Pólo Aquático, no jogo entre Hungria e União Soviética, que ocorreu o incidente mais grave. Assim descreve Giller (1984, p.144):
Houve distúrbio na piscina quando a Hungria encontrou a Rússia numa partida de pólo aquático que se tornou uma guerra. O jogo foi quase literalmente um banho de sangue. A polícia foi chamada para acalmar igualmente os jogadores e os espectadores após o supercílio de um jogador húngaro ter sido aberto durante um choque com um oponente russo. Os húngaros eventualmente venceram por 4-0 e seguiram para conquistar a medalha de ouro
Schaap (1967) esclarece que os torcedores, muitos expatriados políticos, insultaram os jogadores soviéticos e que os jogadores húngaros também aproveitaram a ocasião para atingir os representantes do país que os havia invadido. Segundo Schaap (1967), a colisão entre os jogadores ocorreu a 2 minutos do fim da partida e os jogadores envolvidos foram o soviético Valentin Prokopov e o húngaro Ervin Zador. Greenberg (1987) informa que o árbitro teve que encerrar o jogo antes do seu término, e Arnold (1983) acrescenta que os jogadores soviéticos buscaram segurança. Toomey e King (1988) complementam que a equipe soviética, preocupada com a torcida pró-Hungria, teve que ser escoltada da arena por um batalhão de guardas. Convém lembrar que a ocorrência foi, de certa forma, isolada. Na Ginástica Artística feminina, Hungria e União Soviética travaram uma emocionante disputa, em que não foi registrado qualquer incidente. As duas maiores ginastas da época, a soviética Larissa Latynina e a húngara Agnes Keleti, conviveram pacificamente.
Carbonetto (1995) informa que os resultados das competições esportivas não foram tecnicamente esplêndidos por causa do forte vento que predominou durante os Jogos e pelo fato deles terem sido disputados numa época do ano que levou os atletas europeus e norte-americanos a trocarem bruscamente o rigoroso inverno pelo tórrido verão australiano. Não compartilhamos integralmente da idéia de Carbonetto, pois foram registrados recordes mundiais no Atletismo, na Natação e no Levantamento de Peso. Além disso, Kaiser (2000) informa que foram batidos mais recordes mundiais e olímpicos do que em 1948 e 1952. Certamente, Carbonetto (1995) prestou atenção apenas aos resultados do Atletismo masculino.
Os australianos, objetivando criar maior empolgação em seu público, provocaram uma mudança no calendário olímpico ao colocar a realização das provas de Atletismo antes das de Natação, para que os nadadores australianos, favoritos à conquista das medalhas, garantissem aos torcedores australianos as últimas alegrias dos Jogos. O público havia comprado todos os ingressos e se preparou, inclusive, para pagar as entradas para assistir aos treinamentos (ALLEN, 1976). A Austrália encerrou os Jogos na terceira colocação no quadro de medalhas ao somar um total de 35, 13 de ouro, ficando atrás apenas dos dois gigantes, União Soviética e Estados Unidos.
A disputa entre soviéticos e norte-americanos novamente obteve destaque. Os soviéticos, conforme os Jogos chegavam ao seu final, diminuíram a diferença de pontos em relação aos Estados Unidos e, na quinta-feira da segunda semana, com os resultados da Ginástica e da Luta Greco-romana, ultrapassaram-nos, chegando a 690,5 pontos contra 558,5 dos rivais. O jornal soviético Komsomolskaya Pravda chamou o aquele dia de "a quinta-feira dourada do esporte soviético" e enfatizou que a liderança norte-americana havia sido liquidada. No final, os soviéticos somaram 37 medalhas de ouro e 722 pontos não-oficiais, enquanto os norte-americanos ficaram com 32 medalhas de ouro e 593 pontos. A União Soviética tornou-se a nação atlética mais forte do mundo. Apesar da disputa entre as superpotências, os atletas de ambos os lados se fraternizaram livremente nos centros sociais da Vila Olímpica, e a União Soviética, desta vez, não ficou numa vila isolada (SCHAAP, 1967). Carbonetto (1995) afirma que o regime de Krutchov utilizava ao máximo o esporte como propaganda ideológica, beneficiando os atletas bem-sucedidos, fazendo com que nos Estados Unidos se iniciassem movimentos pedindo subvenções públicas para garantir uma boa participação olímpica. Gherarducci (1984) lembra que o domínio soviético levou o Presidente norte-americano Dwight David Eisenhower a pedir a seu vice Richard Nixon que elaborasse um plano para melhorar o esporte no país, principalmente o feminino. Realmente, o ano de 1956 marcou um período de glória para o esporte soviético, que liderou os quadros de medalhas tanto na edição de Inverno, em Cortina D'Ampezzo, na Itália, quanto na de Verão, em Melbourne, Austrália. A partir de 1956, a União Soviética firmou-se como a maior potência olímpica do planeta. Porém, conforme Arnold (1983), Avery Brundage continuou afirmando que as designações "equipe soviética" ou "equipe dos Estados Unidos" não eram oficiais. Fazia questão de lembrar que os Jogos Olímpicos eram, estritamente, uma competição entre indivíduos.
Suavizando a tensão da Guerra Fria, cumpre lembrar o envolvimento amoroso ocorrido durante os Jogos Olímpicos entre o norte-americano Harold Connolly e a tchecoslovaca Olga Fikotová. Conheceram-se nos treinamentos na Vila Olímpica e acabaram se apaixonando. Após os Jogos, comunicaram-se por cartas. Connolly conseguiu permissão para se casar com ela na Tchecoslováquia, em 27 de Março de 1957, após intervenção do Departamento de Estado norte-americano. Olga foi viver nos Estados Unidos ao lado de Harold. Tiveram 4 filhos mas acabaram se divorciando em 1974 (ARNOLD, 1983). Olga Fikotová havia vencido a competição de lançamento de disco, enquanto Harold Connolly conquistara a medalha de ouro no lançamento de martelo.
Os Jogos Olímpicos de Melbourne converteram-se num grande sucesso, apesar de toda a instabilidade internacional que os precedeu. Allen (1976) acredita que o charme, a cortesia e a eficiência dos australianos conseguiram garantir o sucesso do evento. Para Arnold (1983), o público australiano desfrutou dos Jogos e se mostraram generosos e eficientes anfitriões. Mas Varela (1988) pondera que o ambiente não foi tão entusiasta e nostálgico como o de 1952, e lembra que não ocorreu em Melbourne o tradicional interesse esportivo que incentivava a invasão turística das cidades que abrigavam os Jogos Olímpicos. Para ele, a longa distância e o alto custo da viagem foram fatores inibidores.
A Cerimônia de Encerramento apresentou uma novidade que passou a integrar as edições futuras dos Jogos Olímpicos. Seguindo sugestões de um garoto australiano de descendência chinesa, os atletas foram incentivados a ingressarem misturados no estádio, sem estarem divididos em nações, representando, conforme Greenberg (1987), a amizade entre os povos. Wallechinsky (2004) lembra que anteriormente os atletas marchavam divididos em nações, como faziam na Cerimônia de Abertura, e que a nova atitude simbolizava a unidade global. Andrews (2000, p. 292) descreve melhor a inovação:
As Olimpíadas de Melbourne também fizeram história pela virtude do modo como terminaram. Previamente, as delegações marchavam da mesma forma que na Cerimônia de Abertura. Mas um estudante de 17 anos, John Ian Wing, escreveu para os organizadores sugerindo que, quando os Jogos se encerrassem, os esportistas e as esportistas deveriam se misturar, não ficando mais do que dois companheiros juntos, e não marchar mas caminhar, acenando para a platéia. Os organizadores concordaram e a sugestão de Wing tornou-se uma realidade que agora é seguida em cada Olimpíada
Schaap (1967) conclui que esta forma de Encerramento foi um fim prazeroso depois de duas semanas tensas e foi uma precursora da boa vontade internacional que prosperou nos Jogos Olímpicos de 1960 em Roma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário