Os Jogos Olímpicos de 1936, os décimo - primeiros da Olimpíada, foram sediados em Berlim, Alemanha. Foram um dos mais polêmicos da história e foram marcados: pelo uso político dos nazistas buscando provar a superioridade da raça ariana; pelo revanchismo alemão em relação ao sofrimento experimentado anteriormente pelo país; pela utilização dos Jogos Olímpicos como meio de política de emprego; pela forte oposição externa que fracassou em concretizar prometidos boicotes; pela excessiva propaganda que objetivava promover as qualidades do regime nazista; pela excepcional organização, que atingiu padrões muito avançados para a época; pelo excelente avanço tecnológico, que culminou com a primeira transmissão num sistema de televisão em circuito fechado; pelas costumeiras inovações na cultura dos Jogos, dessa vez com a introdução do revezamento da tocha olímpica desde Atenas; pela excepcional documentação, que teve seu ponto máximo com a produção do filme Olympia, de autoria de Leni Riefenstahl; pelo sucesso dos negros norte-americanos no Atletismo, golpeando fortemente a pretensão nazista em provar a superioridade da raça ariana; pelo aberto racismo veiculado na imprensa alemã em relação aos negros; pela grandiosa e ostensiva presença do público; pelo desenvolvimento do turismo olímpico; pela atmosfera militarista predominante nos Jogos; pelos casos de racismo na própria delegação dos EUA; pela impregnação de princípios nazistas, como a eugenia; pelo excelente nível esportivo alcançado pelos atletas; pela vitória da Alemanha no quadro de medalhas em relação aos Estados Unidos.
O Comitê Olímpico Internacional, no dia 13 de Maio de 1931, escolheu a cidade alemã de Berlim como sede dos Jogos Olímpicos de 1936. Berlim derrotou a cidade espanhola de Barcelona por 43 a 16 na votação e, pela segunda vez na história foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos. Na primeira vez deveria sediar os Jogos de 1916, mas a eclosão da Primeira Guerra Mundial privou os alemães de organizarem o evento (FAURIA, 1968). Entretanto, como expõe Wallechinsky (2004), dois anos depois Adolf Hitler e o Partido Nazista chegaram ao poder, fazendo com que grupos de judeus em todo o mundo se organizassem para que o evento fosse boicotado.
Na época em que se celebraram os Jogos Olímpicos de 1936, o mundo passava por um período de grande turbulência. Keith (1988) aponta como principais fatos a eclosão da guerra civil espanhola, a invasão da Abissínia, atual Etiópia, pela Itália e a da Manchúria, na China, pelo Japão. Arnold (1983) ainda acrescenta o severo desemprego nos Estados Unidos e no Reino Unido, e Carbonetto (1995) também inclui a ditadura de Stálin na União Soviética, que eliminava eficientemente a oposição. Kieran, Daley e Jordan (1977) relatam, além dos incidentes acima expostos, crises políticas na Áustria e na Grécia, rivalidades da União Soviética com a China e o Japão, e os protestos formais de França e Reino Unido contra o gigante dirigível alemão Hindenburg, que voou por parte dos seus territórios. Na Europa o fascismo ascendia ao poder em resposta ao crescimento do comunismo. E na Alemanha, como já mencionado, os nazistas iniciaram sua perseguição discriminatória aos judeus e outras minorias. Assim se iniciaram os movimentos judaicos pelo boicote aos Jogos de Berlim.
Para melhor se compreender a preocupação dos judeus, devemos retroceder no tempo e compreender os eventos que propiciaram ao partido nazista sua ascensão ao poder. Havia, na época, certo revanchismo alemão em virtude das humilhações sofridas após a Primeira Guerra Mundial, da qual a Alemanha saiu derrotada. Conforme lembra Holmes (1971), as pesadas indenizações estabelecidas pelos Aliados aos alemães em 1921, a concessão à Polônia de uma parte da rica região carvoeira ao norte da Silésia, a inflação galopante de 1922 e 1923, a ocupação francesa do Ruhr em 1923 e a subseqüente resistência passiva da Alemanha, a depressão econômica e a crise da classe média foram sementes que levariam ao poder o partido nazista alemão, que aumentou, nas eleições de 1930, sua representação no Reichstag, o parlamento alemão, de 12 para 107 cadeiras. A partir do momento em que Hitler conquistou o voto de confiança do Parlamento, os judeus alemães passaram a sofrer perseguições e discriminações em seus negócios e profissões, inclusive com a impunidade em relação àqueles que os atacava. A situação agravou-se ainda mais e atingiu proporções internacionais:
Em Maio de 1933, a Alemanha foi levada à Liga das Nações para responder sobre a acusação de discriminação racial na Alta Silésia. Pressionada, concordou em observar, no futuro, a Convenção de Genebra no que dizia respeito ao tratamento das minorias e a reabilitar todos os "não-arianos" que haviam perdido seus empregos...A Alemanha não só não reabilitara os judeus, como a perseguição anti-semita aumentara (HOLMES, 1971, p.14)
A comunidade judaica internacional procurou organizar um grande boicote aos Jogos Olímpicos de Berlim. Shteinbakh (1981) expõe que foi em Paris que os movimentos de oposição aos Jogos de Berlim tiveram maior força. Numa conferência em defesa das idéias olímpicas, chegou-se à conclusão de que a realização dos Jogos Olímpicos num país fascista era incompatível com os princípios olímpicos.
O apoio francês ao boicote ficou ainda maior depois que a Alemanha remilitarizou a Renânia em 07 de Março de 1936, renunciando ao Pacto de Locarno. Os franceses estavam decididos a não enviar uma delegação aos Jogos Olímpicos, mas no final o governo acabou liberando as subvenções necessárias para o custeio das despesas (HOLMES, 1971). Toomey e King (1988) apontam que a presença de tropas alemãs na Renânia contrariou os aliados ocidentais, liderados por França e Reino Unido, que viam o boicote como uma forma de manifesto contra este ato de agressão.
Holmes (1971) lembra que no Reino Unido houve uma demora de quase um ano para se decidir sobre o envio de uma delegação a Berlim e que prevaleceram os argumentos da Associação Olímpica Britânica no sentido de que o Reino Unido não poderia se ausentar de um evento que proclama a paz mundial justamente num período tão conturbado. Ademais, justificou que a presença britânica tinha por interesse o esporte. A importância assumida pela questão levou, inclusive, a debates na Câmara dos Comuns.
Nos Estados Unidos as discussões quanto à participação dos Estados Unidos em Berlim foram intensas. Muitos judeus tinham participação na delegação do país, além de serem ativos nas associações atléticas e contribuírem financeiramente para a participação em Jogos Olímpicos. No Senado havia a presença de grupos contrários à presença norte-americana em Berlim, principalmente com a utilização de recursos públicos para fazê-lo. Na convenção nacional da União Atlética Amadora houve uma votação que decidiu pela participação dos Estados Unidos por 61 votos a favor e 55 contra. Muitos jornais apoiavam o boicote, dentre eles o New York Times, que denunciava a discrepância entre os princípios olímpicos e a discriminação sofrida pelos judeus na Alemanha Nazista (HOLMES, 1971). As discussões envolveram até mesmo o Presidente dos Estados Unidos, Frank Roosevelt. Segundo Carbonetto (1995), nos Estados Unidos a proposta de boicote era liderada por Henry Morgenthau, de origem judaica, e que contava com o apoio de Roosevelt, que se comprometeu a enviar um observador a Berlim. Entretanto, o enviado foi Avery Brundage, um milionário conservador, cujo clube do qual era presidente em 1936 ainda não permitia o ingresso de negros. Logicamente, ele não viu nada de anormal e ainda elogiou os alemães. Conforme Schaap (1967), Brundage argüiu que os Jogos tinham caráter internacional e não nacional e que se referiam a esportes e não à política. Greenberg (1988) ainda lembra que Brundage também era Presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos enquanto Fauria (1968) acrescenta que ele era um grande conhecedor do significado dos Jogos Olímpicos e que, por isso, não apoiava o boicote dos Estados Unidos. A figura de Avery Brundage foi muito polêmica no movimento olímpico internacional. Posteriormente foi Presidente do Comitê Olímpico Internacional e, apesar de ser muito criticado pelas suas atitudes conservadoras, sempre colocou os Jogos Olímpicos acima de qualquer questão, como, por exemplo, em 1972, quando decidiu que os Jogos de Munique deveriam ser retomados mesmo após o atentado terrorista contra a delegação de Israel. Como expõe Arnold (1983), Brundage entendia que o esporte não deveria ser influenciado pela política, e manteve está posição por toda a sua vida.
Mas não foram somente França, Reino Unido e Estados Unidos que se manifestaram contrariamente aos alemães. Holmes (1971) informa que na Iugoslávia, em 1933, cem desportistas fizeram um manifesto contra os Jogos, enquanto na Suécia, no ano seguinte, demonstrações reduziram a presença do público de uma partida de Futebol de um time alemão para menos de duas mil pessoas. Agitações também ocorreram na Tchecoslováquia, na Holanda, na Áustria e na Espanha, que acabou não participando dos Jogos de Berlim por estar mergulhada numa guerra civil.
Em virtude dos movimentos contrários aos Jogos de Berlim, foi planejada uma série de Anti-jogos, em Israel, na República Tcheca e na Antuérpia. Entretanto, a que mais chamou a atenção foi a Olimpíada Popular de Barcelona, prevista para ocorrer do dia 19 a 26 de Julho. Entretanto, a eclosão da Guerra Civil Espanhola, no dia 20 de Julho, acarretou o cancelamento da celebração (HOLMES, 1971). Apesar de toda a agitação a favor de um boicote, o mesmo não se concretizou e os vários países compareceram a Berlim.
Fauria (1968) informa que, diante das campanhas oposicionistas aos Jogos de Berlim, o Comitê Olímpico Internacional pediu ao Comitê Organizador que respeitasse a Carta Olímpica, especialmente a participação dos judeus. Porém, o Comitê Organizador prosseguiu na sua ação de dar um caráter mais político aos Jogos. Fauria (1968, p.222) cita o conteúdo da carta enviada pelo Presidente do Comitê Olímpico Internacional, o Conde Baillet-Latour, a Adolf Hitler:
Rogo consideres que sois aqui, nos Jogos Olímpicos, um hóspede e não um organizador. O organizador é o Comitê Olímpico Internacional, que velará para que estes Jogos transcorram sem propaganda política e segundo seus princípios fundamentais. Rogo-os, por outra parte, dêem-se por inteirados de que com ocasião dos Jogos não devereis pronunciar mais do que uma frase no momento solene de abertura
O posicionamento do Presidente Baillet-Latour fez com que aqueles que eram favoráveis à participação nos Jogos tivessem maiores argumentos contra o boicote, afirmando que: Hitler apenas faria o discurso de abertura dos Jogos; a viagem olímpica não representava um endosso à política racista alemã; as competições estariam nas mãos das federações esportivas internacionais; que as delegações presentes iriam competir sob a bandeira do Comitê Olímpico Internacional e não sob o regime nazista; e que a bandeira olímpica estaria hasteada em nome do esporte, sem qualquer complicação política e sem distinção de raça, credo ou cor (DALEY, JORDAN & KIERAN, 1977).
O Comitê Olímpico Internacional determinou que os atletas judeus não fossem barrados da delegação alemã. Kelly (1972) lembra que os organizadores alemães se comprometeram a respeitar em todos os pontos os regulamentos olímpicos, principalmente no que diz respeito às discriminações, seja racial ou religiosa. Kelly (1972) afirma que o compromisso foi cumprido escrupulosamente porque o Comitê Olímpico da Alemanha havia selecionado uma judia para integrar sua delegação: a esgrimista Helene Mayer, campeã olímpica em 1928. Entretanto, esta não é a posição de Holmes (1971), para quem o fato dos judeus perderem qualquer possibilidade de treinamento, por terem sido barrados em piscinas, ginásios e outros locais, já significou uma exclusão. Sem terem onde treinar, os judeus não tiveram condições de disputar vagas contra os bem treinados "arianos" pois o novo sistema de vida alemão enfatizava o treinamento físico, buscando formar uma juventude forte e sadia, que acreditasse no Führer, no futuro alemão e em si própria, para superar qualquer barreira social ou econômica. A inclusão dos judeus Rudi Ball, do hóquei sobre o gelo, e Helene Mayer, da esgrima, serviram apenas para propósitos propagandísticos.
O Comitê Organizador dos Jogos, sob comando dos nazistas, tratou de preparar a cidade para receber os estrangeiros. A eficiência dos alemães foi impecável e os Jogos atingiram um nível de organização jamais visto até então. Mesmo nos dias atuais o modelo alemão continua sendo um exemplo para os demais organizadores.
Holmes (1971) informa que o Comitê Organizador dos Jogos passou por sérias dificuldades financeiras até a ascensão dos nazistas ao poder. A partir do momento em que os nazistas passaram a ver a possibilidade de utilizar o evento para fins de propaganda do regime, os recursos disponíveis aumentaram amplamente. Os Jogos Olímpicos foram tratados como um projeto da nação e não apenas de Berlim. Varela (1988) informa que os Jogos de 1936 foram suntuosos, wagnerianos e totalmente apoiados pelos governos e pelo povo alemães, sendo que este último se identificou com eles. Ainda acrescenta que a equipe propagandística do nacional-socialismo planejou seriamente a lavagem coletiva de cérebro do povo, e se deu conta da enorme força do esporte e dos Jogos Olímpicos na orientação da juventude. Carbonetto (1995) afirma que Hitler via os Jogos Olímpicos como um festival indigno dominado pelos hebreus, mas foi convencido por Joseph Göbbels, ministro da propaganda, de que poderiam se transformar numa ocasião apropriada para a divulgação da Alemanha e do regime nazista.
Hitler desejava que as construções fossem magníficas e aproveitou a necessidade de mão-de-obra para empregar parte dos quatro milhões de desempregados alemães. Posteriormente, este modelo utilizado por Hitler influenciou programas governamentais nos Estados Unidos (HOLMES, 1971). Segundo Fauria (1968) o gigantismo que os nazistas quiseram imprimir aos Jogos resultou na construção de um estádio para 110.000 espectadores. Na verdade, como afirma Arnold (1983), o estádio utilizado foi o mesmo que abrigaria os cancelados Jogos de 1916, porém foi ampliado e reestruturado, e cercado por novas instalações, todas de excelente qualidade, incluindo uma piscina com capacidade para 18.000 espectadores. Arnold (1983, p.72) também tece comentários sobre o abrigo dos atletas: "A Vila Olímpica foi uma versão maior e mais ampla da vila de 1932 em Los Angeles, com bem construídas casas de tijolos e 38 salões de jantar para suprir todos os requerimentos nacionais. As mulheres foram acomodadas numa área ao redor do complexo do estádio". Keith (1988) esclarece que a Vila Olímpica era composta por 150 casas para abrigar os 4.066 competidores e 3.000 jornalistas.
Os organizadores alemães procuraram agradar os visitantes. Os costumes dos diferentes povos foram respeitados, com o fornecimento, por exemplo, de banhos a vapor para os japoneses, sauna para os finlandeses e comidas para os mais variados paladares. Os cartazes e as bandeiras anti-semitas foram retirados de cena, já por ocasião dos Jogos de Inverno, disputados em Garmisch-Partenkirchen. As casas noturnas de Berlim, fechadas pelos nazistas, puderam funcionar por 6 semanas para entreter os degenerados turistas. Os restaurantes e hotéis foram instruídos a receber os estrangeiros de forma hospitaleira e a tratar a questão judaica de forma apropriada. As rádios alemãs transmitiram cursos de inglês, francês, italiano e sueco para os trabalhadores de hotéis e restaurantes e as transmissões para o exterior incentivavam a viajem de turistas à Alemanha. A imprensa deveria publicar apenas notícias que agradassem aos visitantes (HOLMES, 1971). Shteinbakh (1981, p.122) explicita o procedimento dos alemães nas vésperas dos Jogos: "O programa de intensos preparativos incluiu também uma série de ações policiais, realizadas na Alemanha, a fim de ocultar aos estrangeiros a política de desmantelamento das organizações democráticas, de estrangulação das liberdades democráticas e de repressões". Shteinbakh (1981) informa que de 1 de Junho a 15 de Setembro todos os slogans anti-semitas deveriam ser ocultados. Arnold (1983) afirma que milhares de suásticas estavam dispersas por Berlim e que a música marcial era tocada em cada lugar, bem como as ruas ao redor do estádio estavam limpas e decoradas com bandeiras e coroas de flores. É interessante imaginar como os alemães prepararam o ambiente e o quanto o mesmo ficou impregnado pela incessante propaganda nazista.
Shteinbakh (1981) informa que os alemães procuraram dar a máxima publicidade aos Jogos Olímpicos e encarregaram os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e o da Propaganda de fazer com que fossem os mais memoráveis da história. Diversos congressos e conferências internacionais marcados para ocorrerem em Berlim foram convocados justamente no período de realização dos Jogos Olímpicos. Ao mesmo tempo, segundo Fauria (1968), o Comitê Organizador tinha que desmentir os vários boatos que surgiam quanto à participação dos judeus, principalmente quando diziam que não seriam admitidos como membros da delegação alemã, da de nenhum outro país e nem mesmo como espectadores. Fauria (1968) acrescenta que os nazistas procuraram exaltar ao máximo seu sistema político e fizeram com que o evento de Berlim fosse considerado um marco olímpico, mesmo nos dias atuais.
O militarismo foi ostensivo nos Jogos de Berlim e havia um espírito de combate e revanchismo das autoridades alemãs que pode ser melhor traduzido no discurso do Ministro de Esportes, von Tschamer und Osten, cujo conteúdo foi transcrito por Holmes (1971, p.33):
A Alemanha que os saúda é novamente uma nação poderosa que será representada nos Jogos Olímpicos por uma organização esportiva unida e orgulhosa...Os milhares de alemães de longe encontrarão, na sua chegada, uma Alemanha que não só entra alegremente no combate, mas que também sairá dele vitoriosa, e um país que os ampara em suas próprias tarefas
Shteinbakh (1981) expõe que os Jogos de Berlim foram realizados num angustiante ambiente de militarismo e cita um boletim do Comitê Olímpico Internacional afirmando que os mesmos foram dominados por um forte espírito do militarismo e do nazismo, responsáveis por tragarem a juventude de muitos países posteriormente na Guerra Mundial. Holmes (1971) também nota a presença do exército e a opressiva preponderância de uniformes militares. Toomey e King (1988) citam a visão que tiveram os espectadores, referindo-se aos enormes contingentes de soldados no estádio, ao mar de suásticas, aos braços esticados saudando o nazismo, aos brados "Sieg Heil!Sieg Heil!" e à presença de Adolf Hitler em várias competições atléticas. Num país que estava sob um clima revanchista, era natural a predominância de uma atmosfera militar. Os alemães se prepararam para os Jogos como se tivessem se preparado para uma guerra.
O Regime Nazista propagava a ideologia de formar uma raça pura e isso, por incrível que possa parecer, também repercutiu nos Jogos Olímpicos. Holmes (1971) lembra que as moças que desejassem se casarem com homens da Polícia Secreta Alemã deveriam possuir a medalha esportiva do Reich, o que servia para provar que poderiam gerar crianças sadias para a "Nova Alemanha". Shteinbakh (1981) expõe que os nazistas procuravam arianos de "sangue puro" entre os desportistas de outros países para a criação de uma geração de "crianças olímpicas" através da formação de casais formados por arianos e representantes da "Aliança de Jovens Alemãs". Os alemães também exterminaram aqueles que eram portadores de doenças mentais, físicas e hereditárias. Esta política de busca de uma raça pura é conhecida como Eugenia.
A estrutura tecnológica e operacional apresentada nos Jogos foi excepcional. Os programas radiofônicos receberam um investimento de 2 milhões de marcos. A estrutura operacional contava com 400 telegrafistas, 300 microfones, 220 amplificadores, 20 veículos de transmissão direta; 92 locutores de rádio estrangeiros transmitiram notícias para 19 países europeus e outros 13 de outros continentes, e locutores alemães enviaram notícias para os países que não tinham enviados nos Jogos. Cerca de 2.500 relatórios foram transmitidos ao mundo, em 28 línguas, e mais 500 foram divulgados em alemão. O jornal alemão Dienst foi impresso em quatro idiomas facilitando o trabalho dos jornalistas estrangeiros na transmissão dos Jogos (HOLMES, 1971). Arnold (1983) lembra que a mais moderna tecnologia foi utilizada para cronometrar os eventos bem como para transmitir informações. Arnold (1983) complementa as informações de Holmes, informando que os alemães chegaram ao ponto de publicar os boletins dos Jogos em 14 idiomas, beneficiando 3.000 jornalistas presentes. Carbonetto (1995) informa que o boletim diário se chamava Olympia Zeitung e que teve uma tiragem de 300.000 exemplares.
Entretanto, tecnologicamente, o ponto máximo dos Jogos foi a primeira transmissão televisiva, ocorrida, porém, num sistema de circuito fechado. Wallechinsky (2004, p.11), esclarece: "...As Olimpíadas de 1936 foram também as primeiras a serem transmitidas em forma de televisão. Vinte e cinco telões foram dispostos por Berlim, permitindo ao público local assistir aos Jogos gratuitamente". Arnold (1983) também informa sobre esta inovação, acrescentando que a cobertura foi ampla e as transmissões foram diárias e em circuito fechado. Greenberg (1988, p.29) escreveu: "Pela primeira vez houve cobertura da televisão, mas somente em circuito fechado para 28 salões especiais". Mas é Holmes (1971, p.77) quem dá números mais exatos: "A televisão passou por sua prova de fogo, quando 162.228 fãs viram os jogos de fronte a um dos 21 aparelhos de TV instalados em Berlim ou em centros similares, como Potsdam e Leipzig". Como se percebe, há uma contradição entre Greenberg, Arnold e Holmes a respeito do número de salões e telões. Entretanto, é mais importante notar o quanto foi essencial essa inovação alemã para o posterior desenvolvimento das transmissões televisivas, que são uma das principais fontes de renda do Comitê Olímpico Internacional nos dias atuais.
Os Jogos Olímpicos de Berlim foram um dos mais bem documentados da história. A publicação de vários livros e boletins tem facilitado o estudo dos pesquisadores dos dias atuais. Entretanto, em termos de documentação cinematográfica, o filme oficial dos Jogos de Berlim, chamado Olympia, de direção de Leni Riefenstahl, é considerado um clássico e revolucionou a forma de filmagem de esportes. Wallechinsky (2004) afirma que Olympia foi o primeiro filme oficial relevante e que se tornou uma celebração do espírito humano, apesar de fazer parte da propaganda nazista. Greenberg (1988) opina no sentido do filme ser ainda um dos melhores registros de uns Jogos Olímpicos. Holmes (1971) esclarece que a revolução causada pela cineasta Leni Riefenstahl se deveu ao fato dela ter buscado novos ângulos e ter desenvolvido formas modernas de filmagem como, por exemplo, filmadoras automáticas em miniatura, câmeras móveis sobre trilhos, fotógrafos colocados dentro de fossos para obtenção de ângulos novos em provas de saltos, torres com câmeras em posições estratégicas, balões com câmeras automáticas, câmeras subaquáticas para a natação, lentes semi-submersas, câmeras posicionados na água para acompanhar os saltos dos atletas. O filme ficou pronto em 1938, tendo Leni se dedicado à sua edição por 2 anos. Ela gozava de um prestígio tão grande entre os nazistas que nem mesmo o chefe da propaganda nazista, Göbbels, depois dela ter se recusado a retirar cenas de atletas negros vitoriosos na versão final do filme, conseguiu bloquear as subvenções que lhe foram concedidas. O filme Olympia foi revolucionário e documentou um período conturbado da história da humanidade. Embora se diga que foi o melhor produzido, não se pode esquecer que os filmes de 1960, 1980 e 1988 possuem excelente conteúdo documental e são os mais eficientes quando se deseja ter uma noção do que ocorreu nos respectivos Jogos Olímpicos.
A excelente organização alemã foi responsável pela introdução de uma inovação que acabou se incorporando à cultura dos Jogos Olímpicos, qual seja, o revezamento da tocha olímpica desde Olímpia até a cidade responsável por sediar os Jogos. Wallechinsky (2004) acredita que a inovação foi a mais popular de todas. Greenberg (1988) informa que a idéia do revezamento partiu de Carl Diem, principal organizador dos Jogos. Schaap (1967, p.215) explica o ritual:
Para adicionar glamour aos Jogos, os alemães instituíram a prática de se ter uma tocha acesa por virgens gregas no reconstruído santuário de Zeus em Olímpia, e então ter corredores transportando-a para o país anfitrião. Um revezamento de 3.000 homens carregou a chama olímpica através de sete países até Berlim, onde queimou continuamente desde a cerimônia de abertura até a de encerramento
Giller (1984) complementa que o acendimento da tocha foi realizado com a utilização dos raios de sol, e que cada um dos 3.000 homens do revezamento percorreu um quilômetro. Ele também menciona que ela foi conduzida, depois da Grécia, através de Bulgária, Iugoslávia, Hungria, Áustria e Tchecoslováquia, chegando posteriormente à Alemanha e conduzida ao estádio olímpico. Atualmente o percurso da tocha olímpica passa por vários países e todo o seu itinerário tem sido, inclusive, acompanhado de perto pela televisão. Todo o trajeto da tocha é comercializado, iniciativa que começou na época dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984.
Os Jogos de 1936 foram oficialmente inaugurados no dia 01 de Agosto, com Adolf Hitler falando as palavras tradicionais. As Cerimônias de Abertura e de Encerramento dos Jogos ocorreram respectivamente nos dias 01 e 16 de Agosto. Um total de 4.066 atletas, representando 49 países, incluindo 328 mulheres, competiu em 129 provas distribuídas em 21 modalidades esportivas (KAISER, 2000). Shteinbakh (1981) lembra que houve recorde de participantes e que Afeganistão, Bermuda, Bolívia, Costa Rica, Liechtenstein e Peru fizeram suas estréias olímpicas. Arnold (1983) relata que a Cerimônia inaugural foi memorável, destacando-se o dirigível Hindenburg, que voava sobre o estádio, a liberação de 20 mil pombos, os toques de um sino de 14 toneladas, o canto do hino olímpico e a homenagem prestada por Spyridon Louis, campeão da maratona olímpica em 1896, que ofereceu um ramo de oliveira ao racista Adolf Hitler. Holmes (1971) esclarece que o dirigível Hindenburg carregava uma bandeira olímpica. Fauria (1968) menciona que pela noite houve um festival denominado "Juventude Olímpica", de Carl Diem, que aglomerou uma multidão para assistir a evoluções de 10.000 bailarinos e bailarinas. Varela (1988) observa que a festa de abertura foi solene e simples, e representou uma ponte entre o classicismo grego a severidade germânica.
A Parada das Nações registrou momentos variáveis no aspecto da saudação dada por cada delegação: os franceses realizaram a saudação olímpica, que acabou confundida com a nazista e, por isso, gerou muitos aplausos na platéia alemã; os britânicos simplesmente deram um olhar à direita e foram correspondidos com o silêncio; muitos países rejeitaram a saudação olímpica, como foram os casos de Argentina, Austrália, Egito e China; já os norte-americanos, que desfilaram levando seus chapéus de palha junto ao coração, receberam vários assobios da platéia, o que preocupou os líderes alemães, pois na Europa o assobio era uma forma de desaprovação enquanto para os norte-americanos servia também como aplauso (HOLMES, 1971). Arnold (1983) acrescenta que os austríacos realizaram a saudação nazista e os romenos a marcha militar, sendo ambos aplaudidos pelo público.
A Alemanha nazista conseguiu triunfar no quadro de medalhas ao somar 89 medalhas, 33 de ouro, 26 de prata e 30 de bronze, superando por larga margem os Estados Unidos, imbatíveis desde 1912, mas que conquistaram apenas 56 medalhas, 24 de ouro, 20 de prata e 12 de bronze. Shteinbakh (1981) informa que os alemães desejavam a primeira posição a qualquer preço e que foram beneficiados pelo programa de esportes, que estreiou aqueles de grande popularidade na Alemanha, como a Canoagem e o Handebol, e também marcou o retorno da Ginástica feminina. Além disso, para ele, os concursos de artes permitiram à Alemanha o domínio do quadro geral de medalhas. Andrews (2000) também lembra que a Alemanha encabeçou o quadro de medalhas, mas desmerece o sucesso alemão ao considerar que eles obtiveram medalhas em eventos esotéricos, como o Hipismo, a Ginástica e o Remo. Shteinbakh (1981) e Andrews (2000) se equivocam ao procurarem diminuir a proeza alemã. Mesmo sem os esportes que ingressaram no programa olímpico a Alemanha teria alcançado facilmente a primeira colocação, pois perderiam apenas 9 medalhas, 4 de ouro, 3 de prata e 1 de bronze. Além disso, na contagem de medalhas acima referenciada, não estão inclusas as medalhas dos concursos de artes. E também, mesmo naquela época, os esportes colocados por Andrews não têm nada de esotérico, apenas diferem do Atletismo e da Natação, esportes mais populares no mundo. Apesar da forte influência ideológica que revestiu os Jogos de 1936, não se pode esquecer a impressionante proeza da Alemanha em superar os Estados Unidos. Aproveitando a menção aos esportes, o programa foi ampliado com o ingresso do Basquetebol, da Canoagem e do Handebol de Campo mas teve a exclusão do Pólo Eqüestre.
Embora a Alemanha tenha superado os Estados Unidos na disputa pelas medalhas, acabou ganhando maior destaque a forte atuação dos atletas negros da equipe de Atletismo norte-americana, que desmentiram as teorias nazistas de superioridade da raça ariana. Wallechinsky (2004) afirma que esta foi a maior lembrança deixada pelos Jogos de 1936, acrescida pela popularidade alcançada pelo atleta negro Jesse Owens, ganhador de 4 medalhas de ouro no Atletismo. Shteinbakh (1981, p.114) descreve melhor a repercussão do sucesso dos atletas negros nos Jogos dos nazistas:
Apesar do êxito da equipe alemã, os Jogos Olímpicos desmentiram totalmente as teorias racistas tresloucadas dos nazistas. Segundo as intenções dos nazistas, as Olimpíadas de Berlim deveriam tornar-se uma manifestação da supremacia absoluta dos desportistas de origem ariana. Estes planos fracassaram totalmente. Os dez negros incluídos na equipe atlética americana conquistaram 6 medalhas de ouro, 3 de prata e 2 de bronze. O famoso atleta negro Jesse Owens, um dos maiores corredores de pequenas distâncias de todas as épocas, foi reconhecido o melhor desportista dos Jogos e as XI Olimpíadas entraram na história como as "Olimpíadas de Jesse Owens". A capital da ideologia ariana racista viu-se forçada a coroar um negro com os louros do melhor desportista do mundo.
Shteinbakh (1981) usa palavras mais fortes, chamando as invencionices nazistas de totalmente mentirosas. Holmes (1971) observa que apesar do sucesso esportivo alemão, as atenções acabaram voltadas para as façanhas dos negros norte-americanos, principalmente as de Jesse Owens, indicando que a suposta supremacia racial do nazismo não passava de um mito. Toomey e King (1988) entendem que as vitórias dos negros foram o maior golpe contra o esquema de propaganda nazista.
O jornal do Dr.Göbbels, o chefe da propaganda nazista, referia-se de forma discriminatória aos atletas negros dos Estados Unidos, chamando-os de auxiliares e omitindo suas vitórias da relação de vencedores (ARNOLD, 1983). Holmes (1971) esclarece que os jornais da Alemanha foram instruídos a não dar notícias sobre os participantes judeus de equipes estrangeiras e a não comentar nada sobre os mesmos nos Jogos. Toomey e King (1988) também enunciam que os negros eram discriminados e chamados de "negros auxiliares" pela propaganda nazista, mas informam que o povo alemão agiu de forma diferente, tratando-os de forma respeitosa. Reforçam sua posição com as percepções do corredor negro Mack Robinson, que afirmou ter sido bem tratado e lamentava retornar para os Estados Unidos e novamente ter que se sentar nas cadeiras do fundo dos ônibus, como cidadãos de segunda classe.
Um incidente ocorrido no primeiro dia de competições ainda hoje levanta muitas controvérsias. Hitler cumprimentou os medalhistas do Atletismo em seu camarote, mas depois de cumprimentar o alemão Woelke e o finlandês Salminen, retirou-se do estádio antes de receber o negro norte-americano Cornelius Johnson. Oposicionistas de Hitler afirmam que ele não quis cumprimentar o atleta negro, mas há outros que alertam para o fato dele ter sido advertido por membros do Comitê Olímpico Internacional a não cumprimentar publicamente os vencedores. Um músico de jazz, negro, intérprete do time norte-americano, observou que o público, predominantemente alemão, murmurou quando Hitler abandonou o estádio, traduzindo vergonha pelo acontecido (HOLMES, 1971). Outros procuram dar mais gravidade ao fato afirmando que ele não quis receber Jesse Owens, mas Fauria (1968) adverte que o mesmo não competiu em nenhuma final naquele dia e que Baillet-Latour, Presidente do COI, advertiu Hitler, logo depois do primeiro dia, a não receber os vencedores em seu camarote, pois tal procedimento era contrário ao protocolo olímpico. A partir de então, Hitler passou a receber os atletas em uma sala adjacente ao seu camarote. Toomey e King (1988) ficam em dúvida quanto ao procedimento de Hitler, questionando se ele não quis cumprimentar o negro Johnson ou se teve outros compromissos e por isso ausentou-se do estádio. Varela (1988) relata que não houve discriminação racial, apontando a presença de atletas judeus na delegação alemã e a ausência de incidentes com atletas de etnias variadas nas instalações esportivas. Porém, convém lembrar que Varela (1988) se esquece da postura adotada pelo jornal de Joseph Göbbels, que tratava os negros de forma desprezível.
Aliás, foi a delegação dos Estados Unidos que proporcionou um inesquecível momento de racismo nos Jogos de Berlim, que ficou incompreensível para muitos. Os atletas negros Williams e LuValle, respectivamente primeiro e segundo colocados na prova individual de 400 metros, não foram incluídos na equipe norte-americana de revezamento 4x400 metros, que acabou derrotada pelo Reino Unido. Na prova de revezamento 4x100 metros, ocorreu justamente o contrário, os negros Owens e Metcalfe ingressaram no lugar dos brancos Sam Stoller e Marty Glickman e garantiram a medalha de ouro para os Estados Unidos. Entretanto, Stoller e Glickman eram os únicos judeus da delegação norte-americana de Atletismo e também os únicos que retornaram de Berlim sem competir. Provavelmente a atitude foi tomada para agradar aos anfitriões. Realmente parece confuso, pois se um mesmo procedimento fosse adotado, os negros seriam incluídos nas duas equipes ou não, mas não haveria diferença de tratamento, principalmente quando se considera que uma mudança no revezamento 4x100 metros é mais complicada por exigir maior sincronia entre os componentes da equipe.
A questão dos testes para verificar e confirmar o sexo das mulheres foi mencionada durante os Jogos, pois acreditava-se que se algo não fosse feito os países iriam desistir de enviar suas atletas para competirem contra anomalias. Inclusive, um jornal britânico defendia a exclusão das mulheres dos Jogos Olímpicos, alegando que eram inferiores. Também se alegava que não havia nada a se admirar em mulheres que pareciam homens (ARNOLD, 1983). Felizmente esta visão machista não predominou e as mulheres devem ser mais admiradas pelas suas proezas atléticas do que pela sua aparência.
A presença do público durante as competições foi memorável, sendo outro ponto de destaque dos Jogos de Berlim. O público alemão parece ter compreendido a valoração que Hitler deu aos Jogos, com uma presença maciça às competições e com demonstrações exageradas tanto pelas vitórias alemãs e quanto por algumas derrotas (ARNOLD, 1983). Holmes (1981) afirma que a presença de público foi marcante, acarretando a venda de cerca de 4,5 milhões de ingressos e a geração de uma receita de 2,8 milhões de dólares, e complementa com a observação de que os estrangeiros admiraram a forma como os alemães estavam presentes em todas as provas, dispostos a assistirem a tudo, pouco importando se compreendiam ou não o que se disputava. Kieran, Daley e Jordan (1977) ainda destacam que a presença do público ocorreu mesmo com um clima que não era favorável e que o lucro pela venda de ingressos foi o maior até então. Tudo isso traduz o esforço da propaganda nazista, que divulgou ostensivamente os Jogos Olímpicos enquanto os preparava. Naturalmente, diante de tantos estímulos propagandísticos, a forte presença do público alemão foi uma conseqüência. Ainda podemos acrescentar que o sucesso dos atletas alemães serviu como um estímulo para os anfitriões.
A grande propaganda realizada pelos nazistas teve um impacto direto no turismo. Carbonetto (1995) fala no nascimento de um turismo olímpico na capital alemã, observando que havia cerca de 200 mil estrangeiros entre os mais de um milhão de espectadores presentes. Enquanto Holmes (1971, p.157) observa:
O Comitê Olímpico Alemão tirou bons proveitos dos Jogos, todas as atividades ligadas ao turismo prosperaram e, embora o governo tenha despendido muito dinheiro, posteriormente recebeu-o de volta, em investimentos estrangeiros, o necessário para sua economia, conseguindo, até, com isso, dar trabalho a milhares de desempregados
Os Jogos de Berlim foram um grande sucesso esportivo e popular, como lembra Kelly (1972). Já Holmes (1971) afirma que o mérito não foi tanto dos nazistas, pois foi a supressão de alguns dos seus aspectos mais desagradáveis durante os Jogos é que permitiram que eles fossem um sucesso. Holmes (1971) ainda informa que os alemães haviam ficado satisfeitos com o sucesso dos Jogos, principalmente por terem superado os Estados Unidos e melhorado sua imagem perante os estrangeiros. Para os atletas, complementa Holmes, os Jogos foram os melhores da história pelo tratamento que receberam, mas os que os contestam afirmam que deram apoio moral ao nazismo. Esta posição não parece correta pois os atletas não tinham idéia do que sucederia posteriormente, desejaram apenas competir no grande evento esportivo mundial.
Toomey e King (1988) acham que foi a partir de Berlim que os Jogos Olímpicos passaram a ter o crescimento que culminou com seu gigantismo dos dias atuais. Fauria (1968) reconhece que os alemães deram um grande brilhantismo aos Jogos Olímpicos, mas lamenta que eles também produziram um colapso olímpico e de outras naturezas com a Segunda Guerra Mundial. Arnold (1983) informa que a organização dos Jogos de 1936 foi a melhor até então, mas que serão sempre lembrados pelo seu uso por Hitler como forma de provar a superioridade da raça ariana. Acrescenta que, para alguns, Hitler atingiu seu objetivo pelo fato da Alemanha ter superado facilmente os Estados Unidos na luta pelas medalhas mas que, para outros, as vitórias dos negros norte-americanos no Atletismo ofuscaram as conquistas dos alemães. Holmes (1971) acredita que depois de 1936 a política e o esporte se uniram tanto para o bem quanto para o mal, sendo errônea a idéia de que o esporte internacional promova a amizade e a compreensão entre as nações, que é mais uma esperança do que algo que ocorra realmente.
Certamente os Jogos Olímpicos de Berlim foram inesquecíveis e trouxeram grandes inovações, além de terem sido amplamente documentados. Apresentaram uma excepcional organização, servindo de modelo para os organizadores posteriores. Infelizmente, porém, ocorreram num ambiente de revanchismo e serviram como forma de propaganda de uma política racista e sanguinária, sendo, por esta razão, mais lembrados. Logo após os Jogos de 1936, ainda no final da década de 30, os alemães nazistas continuaram sua política de perseguição aos povos que consideravam inferiores, principalmente aos judeus, e desencadearam uma das maiores tragédias da natureza humana, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, que cancelou os Jogos Olímpicos de 1940, marcados para Tóquio e depois transferidos para Helsinque, e de 1944, previstos para Londres. Já prevendo o que ocorreria num futuro próximo, o capitão Wolfgang Fuerstner, diretor da Vila Olímpica, descendente de judeus, cometeu suicídio logo após encerrados os Jogos, depois de informado de que sua carreira no exército seria encerrada.
O Comitê Olímpico Internacional, no dia 13 de Maio de 1931, escolheu a cidade alemã de Berlim como sede dos Jogos Olímpicos de 1936. Berlim derrotou a cidade espanhola de Barcelona por 43 a 16 na votação e, pela segunda vez na história foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos. Na primeira vez deveria sediar os Jogos de 1916, mas a eclosão da Primeira Guerra Mundial privou os alemães de organizarem o evento (FAURIA, 1968). Entretanto, como expõe Wallechinsky (2004), dois anos depois Adolf Hitler e o Partido Nazista chegaram ao poder, fazendo com que grupos de judeus em todo o mundo se organizassem para que o evento fosse boicotado.
Na época em que se celebraram os Jogos Olímpicos de 1936, o mundo passava por um período de grande turbulência. Keith (1988) aponta como principais fatos a eclosão da guerra civil espanhola, a invasão da Abissínia, atual Etiópia, pela Itália e a da Manchúria, na China, pelo Japão. Arnold (1983) ainda acrescenta o severo desemprego nos Estados Unidos e no Reino Unido, e Carbonetto (1995) também inclui a ditadura de Stálin na União Soviética, que eliminava eficientemente a oposição. Kieran, Daley e Jordan (1977) relatam, além dos incidentes acima expostos, crises políticas na Áustria e na Grécia, rivalidades da União Soviética com a China e o Japão, e os protestos formais de França e Reino Unido contra o gigante dirigível alemão Hindenburg, que voou por parte dos seus territórios. Na Europa o fascismo ascendia ao poder em resposta ao crescimento do comunismo. E na Alemanha, como já mencionado, os nazistas iniciaram sua perseguição discriminatória aos judeus e outras minorias. Assim se iniciaram os movimentos judaicos pelo boicote aos Jogos de Berlim.
Para melhor se compreender a preocupação dos judeus, devemos retroceder no tempo e compreender os eventos que propiciaram ao partido nazista sua ascensão ao poder. Havia, na época, certo revanchismo alemão em virtude das humilhações sofridas após a Primeira Guerra Mundial, da qual a Alemanha saiu derrotada. Conforme lembra Holmes (1971), as pesadas indenizações estabelecidas pelos Aliados aos alemães em 1921, a concessão à Polônia de uma parte da rica região carvoeira ao norte da Silésia, a inflação galopante de 1922 e 1923, a ocupação francesa do Ruhr em 1923 e a subseqüente resistência passiva da Alemanha, a depressão econômica e a crise da classe média foram sementes que levariam ao poder o partido nazista alemão, que aumentou, nas eleições de 1930, sua representação no Reichstag, o parlamento alemão, de 12 para 107 cadeiras. A partir do momento em que Hitler conquistou o voto de confiança do Parlamento, os judeus alemães passaram a sofrer perseguições e discriminações em seus negócios e profissões, inclusive com a impunidade em relação àqueles que os atacava. A situação agravou-se ainda mais e atingiu proporções internacionais:
Em Maio de 1933, a Alemanha foi levada à Liga das Nações para responder sobre a acusação de discriminação racial na Alta Silésia. Pressionada, concordou em observar, no futuro, a Convenção de Genebra no que dizia respeito ao tratamento das minorias e a reabilitar todos os "não-arianos" que haviam perdido seus empregos...A Alemanha não só não reabilitara os judeus, como a perseguição anti-semita aumentara (HOLMES, 1971, p.14)
A comunidade judaica internacional procurou organizar um grande boicote aos Jogos Olímpicos de Berlim. Shteinbakh (1981) expõe que foi em Paris que os movimentos de oposição aos Jogos de Berlim tiveram maior força. Numa conferência em defesa das idéias olímpicas, chegou-se à conclusão de que a realização dos Jogos Olímpicos num país fascista era incompatível com os princípios olímpicos.
O apoio francês ao boicote ficou ainda maior depois que a Alemanha remilitarizou a Renânia em 07 de Março de 1936, renunciando ao Pacto de Locarno. Os franceses estavam decididos a não enviar uma delegação aos Jogos Olímpicos, mas no final o governo acabou liberando as subvenções necessárias para o custeio das despesas (HOLMES, 1971). Toomey e King (1988) apontam que a presença de tropas alemãs na Renânia contrariou os aliados ocidentais, liderados por França e Reino Unido, que viam o boicote como uma forma de manifesto contra este ato de agressão.
Holmes (1971) lembra que no Reino Unido houve uma demora de quase um ano para se decidir sobre o envio de uma delegação a Berlim e que prevaleceram os argumentos da Associação Olímpica Britânica no sentido de que o Reino Unido não poderia se ausentar de um evento que proclama a paz mundial justamente num período tão conturbado. Ademais, justificou que a presença britânica tinha por interesse o esporte. A importância assumida pela questão levou, inclusive, a debates na Câmara dos Comuns.
Nos Estados Unidos as discussões quanto à participação dos Estados Unidos em Berlim foram intensas. Muitos judeus tinham participação na delegação do país, além de serem ativos nas associações atléticas e contribuírem financeiramente para a participação em Jogos Olímpicos. No Senado havia a presença de grupos contrários à presença norte-americana em Berlim, principalmente com a utilização de recursos públicos para fazê-lo. Na convenção nacional da União Atlética Amadora houve uma votação que decidiu pela participação dos Estados Unidos por 61 votos a favor e 55 contra. Muitos jornais apoiavam o boicote, dentre eles o New York Times, que denunciava a discrepância entre os princípios olímpicos e a discriminação sofrida pelos judeus na Alemanha Nazista (HOLMES, 1971). As discussões envolveram até mesmo o Presidente dos Estados Unidos, Frank Roosevelt. Segundo Carbonetto (1995), nos Estados Unidos a proposta de boicote era liderada por Henry Morgenthau, de origem judaica, e que contava com o apoio de Roosevelt, que se comprometeu a enviar um observador a Berlim. Entretanto, o enviado foi Avery Brundage, um milionário conservador, cujo clube do qual era presidente em 1936 ainda não permitia o ingresso de negros. Logicamente, ele não viu nada de anormal e ainda elogiou os alemães. Conforme Schaap (1967), Brundage argüiu que os Jogos tinham caráter internacional e não nacional e que se referiam a esportes e não à política. Greenberg (1988) ainda lembra que Brundage também era Presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos enquanto Fauria (1968) acrescenta que ele era um grande conhecedor do significado dos Jogos Olímpicos e que, por isso, não apoiava o boicote dos Estados Unidos. A figura de Avery Brundage foi muito polêmica no movimento olímpico internacional. Posteriormente foi Presidente do Comitê Olímpico Internacional e, apesar de ser muito criticado pelas suas atitudes conservadoras, sempre colocou os Jogos Olímpicos acima de qualquer questão, como, por exemplo, em 1972, quando decidiu que os Jogos de Munique deveriam ser retomados mesmo após o atentado terrorista contra a delegação de Israel. Como expõe Arnold (1983), Brundage entendia que o esporte não deveria ser influenciado pela política, e manteve está posição por toda a sua vida.
Mas não foram somente França, Reino Unido e Estados Unidos que se manifestaram contrariamente aos alemães. Holmes (1971) informa que na Iugoslávia, em 1933, cem desportistas fizeram um manifesto contra os Jogos, enquanto na Suécia, no ano seguinte, demonstrações reduziram a presença do público de uma partida de Futebol de um time alemão para menos de duas mil pessoas. Agitações também ocorreram na Tchecoslováquia, na Holanda, na Áustria e na Espanha, que acabou não participando dos Jogos de Berlim por estar mergulhada numa guerra civil.
Em virtude dos movimentos contrários aos Jogos de Berlim, foi planejada uma série de Anti-jogos, em Israel, na República Tcheca e na Antuérpia. Entretanto, a que mais chamou a atenção foi a Olimpíada Popular de Barcelona, prevista para ocorrer do dia 19 a 26 de Julho. Entretanto, a eclosão da Guerra Civil Espanhola, no dia 20 de Julho, acarretou o cancelamento da celebração (HOLMES, 1971). Apesar de toda a agitação a favor de um boicote, o mesmo não se concretizou e os vários países compareceram a Berlim.
Fauria (1968) informa que, diante das campanhas oposicionistas aos Jogos de Berlim, o Comitê Olímpico Internacional pediu ao Comitê Organizador que respeitasse a Carta Olímpica, especialmente a participação dos judeus. Porém, o Comitê Organizador prosseguiu na sua ação de dar um caráter mais político aos Jogos. Fauria (1968, p.222) cita o conteúdo da carta enviada pelo Presidente do Comitê Olímpico Internacional, o Conde Baillet-Latour, a Adolf Hitler:
Rogo consideres que sois aqui, nos Jogos Olímpicos, um hóspede e não um organizador. O organizador é o Comitê Olímpico Internacional, que velará para que estes Jogos transcorram sem propaganda política e segundo seus princípios fundamentais. Rogo-os, por outra parte, dêem-se por inteirados de que com ocasião dos Jogos não devereis pronunciar mais do que uma frase no momento solene de abertura
O posicionamento do Presidente Baillet-Latour fez com que aqueles que eram favoráveis à participação nos Jogos tivessem maiores argumentos contra o boicote, afirmando que: Hitler apenas faria o discurso de abertura dos Jogos; a viagem olímpica não representava um endosso à política racista alemã; as competições estariam nas mãos das federações esportivas internacionais; que as delegações presentes iriam competir sob a bandeira do Comitê Olímpico Internacional e não sob o regime nazista; e que a bandeira olímpica estaria hasteada em nome do esporte, sem qualquer complicação política e sem distinção de raça, credo ou cor (DALEY, JORDAN & KIERAN, 1977).
O Comitê Olímpico Internacional determinou que os atletas judeus não fossem barrados da delegação alemã. Kelly (1972) lembra que os organizadores alemães se comprometeram a respeitar em todos os pontos os regulamentos olímpicos, principalmente no que diz respeito às discriminações, seja racial ou religiosa. Kelly (1972) afirma que o compromisso foi cumprido escrupulosamente porque o Comitê Olímpico da Alemanha havia selecionado uma judia para integrar sua delegação: a esgrimista Helene Mayer, campeã olímpica em 1928. Entretanto, esta não é a posição de Holmes (1971), para quem o fato dos judeus perderem qualquer possibilidade de treinamento, por terem sido barrados em piscinas, ginásios e outros locais, já significou uma exclusão. Sem terem onde treinar, os judeus não tiveram condições de disputar vagas contra os bem treinados "arianos" pois o novo sistema de vida alemão enfatizava o treinamento físico, buscando formar uma juventude forte e sadia, que acreditasse no Führer, no futuro alemão e em si própria, para superar qualquer barreira social ou econômica. A inclusão dos judeus Rudi Ball, do hóquei sobre o gelo, e Helene Mayer, da esgrima, serviram apenas para propósitos propagandísticos.
O Comitê Organizador dos Jogos, sob comando dos nazistas, tratou de preparar a cidade para receber os estrangeiros. A eficiência dos alemães foi impecável e os Jogos atingiram um nível de organização jamais visto até então. Mesmo nos dias atuais o modelo alemão continua sendo um exemplo para os demais organizadores.
Holmes (1971) informa que o Comitê Organizador dos Jogos passou por sérias dificuldades financeiras até a ascensão dos nazistas ao poder. A partir do momento em que os nazistas passaram a ver a possibilidade de utilizar o evento para fins de propaganda do regime, os recursos disponíveis aumentaram amplamente. Os Jogos Olímpicos foram tratados como um projeto da nação e não apenas de Berlim. Varela (1988) informa que os Jogos de 1936 foram suntuosos, wagnerianos e totalmente apoiados pelos governos e pelo povo alemães, sendo que este último se identificou com eles. Ainda acrescenta que a equipe propagandística do nacional-socialismo planejou seriamente a lavagem coletiva de cérebro do povo, e se deu conta da enorme força do esporte e dos Jogos Olímpicos na orientação da juventude. Carbonetto (1995) afirma que Hitler via os Jogos Olímpicos como um festival indigno dominado pelos hebreus, mas foi convencido por Joseph Göbbels, ministro da propaganda, de que poderiam se transformar numa ocasião apropriada para a divulgação da Alemanha e do regime nazista.
Hitler desejava que as construções fossem magníficas e aproveitou a necessidade de mão-de-obra para empregar parte dos quatro milhões de desempregados alemães. Posteriormente, este modelo utilizado por Hitler influenciou programas governamentais nos Estados Unidos (HOLMES, 1971). Segundo Fauria (1968) o gigantismo que os nazistas quiseram imprimir aos Jogos resultou na construção de um estádio para 110.000 espectadores. Na verdade, como afirma Arnold (1983), o estádio utilizado foi o mesmo que abrigaria os cancelados Jogos de 1916, porém foi ampliado e reestruturado, e cercado por novas instalações, todas de excelente qualidade, incluindo uma piscina com capacidade para 18.000 espectadores. Arnold (1983, p.72) também tece comentários sobre o abrigo dos atletas: "A Vila Olímpica foi uma versão maior e mais ampla da vila de 1932 em Los Angeles, com bem construídas casas de tijolos e 38 salões de jantar para suprir todos os requerimentos nacionais. As mulheres foram acomodadas numa área ao redor do complexo do estádio". Keith (1988) esclarece que a Vila Olímpica era composta por 150 casas para abrigar os 4.066 competidores e 3.000 jornalistas.
Os organizadores alemães procuraram agradar os visitantes. Os costumes dos diferentes povos foram respeitados, com o fornecimento, por exemplo, de banhos a vapor para os japoneses, sauna para os finlandeses e comidas para os mais variados paladares. Os cartazes e as bandeiras anti-semitas foram retirados de cena, já por ocasião dos Jogos de Inverno, disputados em Garmisch-Partenkirchen. As casas noturnas de Berlim, fechadas pelos nazistas, puderam funcionar por 6 semanas para entreter os degenerados turistas. Os restaurantes e hotéis foram instruídos a receber os estrangeiros de forma hospitaleira e a tratar a questão judaica de forma apropriada. As rádios alemãs transmitiram cursos de inglês, francês, italiano e sueco para os trabalhadores de hotéis e restaurantes e as transmissões para o exterior incentivavam a viajem de turistas à Alemanha. A imprensa deveria publicar apenas notícias que agradassem aos visitantes (HOLMES, 1971). Shteinbakh (1981, p.122) explicita o procedimento dos alemães nas vésperas dos Jogos: "O programa de intensos preparativos incluiu também uma série de ações policiais, realizadas na Alemanha, a fim de ocultar aos estrangeiros a política de desmantelamento das organizações democráticas, de estrangulação das liberdades democráticas e de repressões". Shteinbakh (1981) informa que de 1 de Junho a 15 de Setembro todos os slogans anti-semitas deveriam ser ocultados. Arnold (1983) afirma que milhares de suásticas estavam dispersas por Berlim e que a música marcial era tocada em cada lugar, bem como as ruas ao redor do estádio estavam limpas e decoradas com bandeiras e coroas de flores. É interessante imaginar como os alemães prepararam o ambiente e o quanto o mesmo ficou impregnado pela incessante propaganda nazista.
Shteinbakh (1981) informa que os alemães procuraram dar a máxima publicidade aos Jogos Olímpicos e encarregaram os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e o da Propaganda de fazer com que fossem os mais memoráveis da história. Diversos congressos e conferências internacionais marcados para ocorrerem em Berlim foram convocados justamente no período de realização dos Jogos Olímpicos. Ao mesmo tempo, segundo Fauria (1968), o Comitê Organizador tinha que desmentir os vários boatos que surgiam quanto à participação dos judeus, principalmente quando diziam que não seriam admitidos como membros da delegação alemã, da de nenhum outro país e nem mesmo como espectadores. Fauria (1968) acrescenta que os nazistas procuraram exaltar ao máximo seu sistema político e fizeram com que o evento de Berlim fosse considerado um marco olímpico, mesmo nos dias atuais.
O militarismo foi ostensivo nos Jogos de Berlim e havia um espírito de combate e revanchismo das autoridades alemãs que pode ser melhor traduzido no discurso do Ministro de Esportes, von Tschamer und Osten, cujo conteúdo foi transcrito por Holmes (1971, p.33):
A Alemanha que os saúda é novamente uma nação poderosa que será representada nos Jogos Olímpicos por uma organização esportiva unida e orgulhosa...Os milhares de alemães de longe encontrarão, na sua chegada, uma Alemanha que não só entra alegremente no combate, mas que também sairá dele vitoriosa, e um país que os ampara em suas próprias tarefas
Shteinbakh (1981) expõe que os Jogos de Berlim foram realizados num angustiante ambiente de militarismo e cita um boletim do Comitê Olímpico Internacional afirmando que os mesmos foram dominados por um forte espírito do militarismo e do nazismo, responsáveis por tragarem a juventude de muitos países posteriormente na Guerra Mundial. Holmes (1971) também nota a presença do exército e a opressiva preponderância de uniformes militares. Toomey e King (1988) citam a visão que tiveram os espectadores, referindo-se aos enormes contingentes de soldados no estádio, ao mar de suásticas, aos braços esticados saudando o nazismo, aos brados "Sieg Heil!Sieg Heil!" e à presença de Adolf Hitler em várias competições atléticas. Num país que estava sob um clima revanchista, era natural a predominância de uma atmosfera militar. Os alemães se prepararam para os Jogos como se tivessem se preparado para uma guerra.
O Regime Nazista propagava a ideologia de formar uma raça pura e isso, por incrível que possa parecer, também repercutiu nos Jogos Olímpicos. Holmes (1971) lembra que as moças que desejassem se casarem com homens da Polícia Secreta Alemã deveriam possuir a medalha esportiva do Reich, o que servia para provar que poderiam gerar crianças sadias para a "Nova Alemanha". Shteinbakh (1981) expõe que os nazistas procuravam arianos de "sangue puro" entre os desportistas de outros países para a criação de uma geração de "crianças olímpicas" através da formação de casais formados por arianos e representantes da "Aliança de Jovens Alemãs". Os alemães também exterminaram aqueles que eram portadores de doenças mentais, físicas e hereditárias. Esta política de busca de uma raça pura é conhecida como Eugenia.
A estrutura tecnológica e operacional apresentada nos Jogos foi excepcional. Os programas radiofônicos receberam um investimento de 2 milhões de marcos. A estrutura operacional contava com 400 telegrafistas, 300 microfones, 220 amplificadores, 20 veículos de transmissão direta; 92 locutores de rádio estrangeiros transmitiram notícias para 19 países europeus e outros 13 de outros continentes, e locutores alemães enviaram notícias para os países que não tinham enviados nos Jogos. Cerca de 2.500 relatórios foram transmitidos ao mundo, em 28 línguas, e mais 500 foram divulgados em alemão. O jornal alemão Dienst foi impresso em quatro idiomas facilitando o trabalho dos jornalistas estrangeiros na transmissão dos Jogos (HOLMES, 1971). Arnold (1983) lembra que a mais moderna tecnologia foi utilizada para cronometrar os eventos bem como para transmitir informações. Arnold (1983) complementa as informações de Holmes, informando que os alemães chegaram ao ponto de publicar os boletins dos Jogos em 14 idiomas, beneficiando 3.000 jornalistas presentes. Carbonetto (1995) informa que o boletim diário se chamava Olympia Zeitung e que teve uma tiragem de 300.000 exemplares.
Entretanto, tecnologicamente, o ponto máximo dos Jogos foi a primeira transmissão televisiva, ocorrida, porém, num sistema de circuito fechado. Wallechinsky (2004, p.11), esclarece: "...As Olimpíadas de 1936 foram também as primeiras a serem transmitidas em forma de televisão. Vinte e cinco telões foram dispostos por Berlim, permitindo ao público local assistir aos Jogos gratuitamente". Arnold (1983) também informa sobre esta inovação, acrescentando que a cobertura foi ampla e as transmissões foram diárias e em circuito fechado. Greenberg (1988, p.29) escreveu: "Pela primeira vez houve cobertura da televisão, mas somente em circuito fechado para 28 salões especiais". Mas é Holmes (1971, p.77) quem dá números mais exatos: "A televisão passou por sua prova de fogo, quando 162.228 fãs viram os jogos de fronte a um dos 21 aparelhos de TV instalados em Berlim ou em centros similares, como Potsdam e Leipzig". Como se percebe, há uma contradição entre Greenberg, Arnold e Holmes a respeito do número de salões e telões. Entretanto, é mais importante notar o quanto foi essencial essa inovação alemã para o posterior desenvolvimento das transmissões televisivas, que são uma das principais fontes de renda do Comitê Olímpico Internacional nos dias atuais.
Os Jogos Olímpicos de Berlim foram um dos mais bem documentados da história. A publicação de vários livros e boletins tem facilitado o estudo dos pesquisadores dos dias atuais. Entretanto, em termos de documentação cinematográfica, o filme oficial dos Jogos de Berlim, chamado Olympia, de direção de Leni Riefenstahl, é considerado um clássico e revolucionou a forma de filmagem de esportes. Wallechinsky (2004) afirma que Olympia foi o primeiro filme oficial relevante e que se tornou uma celebração do espírito humano, apesar de fazer parte da propaganda nazista. Greenberg (1988) opina no sentido do filme ser ainda um dos melhores registros de uns Jogos Olímpicos. Holmes (1971) esclarece que a revolução causada pela cineasta Leni Riefenstahl se deveu ao fato dela ter buscado novos ângulos e ter desenvolvido formas modernas de filmagem como, por exemplo, filmadoras automáticas em miniatura, câmeras móveis sobre trilhos, fotógrafos colocados dentro de fossos para obtenção de ângulos novos em provas de saltos, torres com câmeras em posições estratégicas, balões com câmeras automáticas, câmeras subaquáticas para a natação, lentes semi-submersas, câmeras posicionados na água para acompanhar os saltos dos atletas. O filme ficou pronto em 1938, tendo Leni se dedicado à sua edição por 2 anos. Ela gozava de um prestígio tão grande entre os nazistas que nem mesmo o chefe da propaganda nazista, Göbbels, depois dela ter se recusado a retirar cenas de atletas negros vitoriosos na versão final do filme, conseguiu bloquear as subvenções que lhe foram concedidas. O filme Olympia foi revolucionário e documentou um período conturbado da história da humanidade. Embora se diga que foi o melhor produzido, não se pode esquecer que os filmes de 1960, 1980 e 1988 possuem excelente conteúdo documental e são os mais eficientes quando se deseja ter uma noção do que ocorreu nos respectivos Jogos Olímpicos.
A excelente organização alemã foi responsável pela introdução de uma inovação que acabou se incorporando à cultura dos Jogos Olímpicos, qual seja, o revezamento da tocha olímpica desde Olímpia até a cidade responsável por sediar os Jogos. Wallechinsky (2004) acredita que a inovação foi a mais popular de todas. Greenberg (1988) informa que a idéia do revezamento partiu de Carl Diem, principal organizador dos Jogos. Schaap (1967, p.215) explica o ritual:
Para adicionar glamour aos Jogos, os alemães instituíram a prática de se ter uma tocha acesa por virgens gregas no reconstruído santuário de Zeus em Olímpia, e então ter corredores transportando-a para o país anfitrião. Um revezamento de 3.000 homens carregou a chama olímpica através de sete países até Berlim, onde queimou continuamente desde a cerimônia de abertura até a de encerramento
Giller (1984) complementa que o acendimento da tocha foi realizado com a utilização dos raios de sol, e que cada um dos 3.000 homens do revezamento percorreu um quilômetro. Ele também menciona que ela foi conduzida, depois da Grécia, através de Bulgária, Iugoslávia, Hungria, Áustria e Tchecoslováquia, chegando posteriormente à Alemanha e conduzida ao estádio olímpico. Atualmente o percurso da tocha olímpica passa por vários países e todo o seu itinerário tem sido, inclusive, acompanhado de perto pela televisão. Todo o trajeto da tocha é comercializado, iniciativa que começou na época dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984.
Os Jogos de 1936 foram oficialmente inaugurados no dia 01 de Agosto, com Adolf Hitler falando as palavras tradicionais. As Cerimônias de Abertura e de Encerramento dos Jogos ocorreram respectivamente nos dias 01 e 16 de Agosto. Um total de 4.066 atletas, representando 49 países, incluindo 328 mulheres, competiu em 129 provas distribuídas em 21 modalidades esportivas (KAISER, 2000). Shteinbakh (1981) lembra que houve recorde de participantes e que Afeganistão, Bermuda, Bolívia, Costa Rica, Liechtenstein e Peru fizeram suas estréias olímpicas. Arnold (1983) relata que a Cerimônia inaugural foi memorável, destacando-se o dirigível Hindenburg, que voava sobre o estádio, a liberação de 20 mil pombos, os toques de um sino de 14 toneladas, o canto do hino olímpico e a homenagem prestada por Spyridon Louis, campeão da maratona olímpica em 1896, que ofereceu um ramo de oliveira ao racista Adolf Hitler. Holmes (1971) esclarece que o dirigível Hindenburg carregava uma bandeira olímpica. Fauria (1968) menciona que pela noite houve um festival denominado "Juventude Olímpica", de Carl Diem, que aglomerou uma multidão para assistir a evoluções de 10.000 bailarinos e bailarinas. Varela (1988) observa que a festa de abertura foi solene e simples, e representou uma ponte entre o classicismo grego a severidade germânica.
A Parada das Nações registrou momentos variáveis no aspecto da saudação dada por cada delegação: os franceses realizaram a saudação olímpica, que acabou confundida com a nazista e, por isso, gerou muitos aplausos na platéia alemã; os britânicos simplesmente deram um olhar à direita e foram correspondidos com o silêncio; muitos países rejeitaram a saudação olímpica, como foram os casos de Argentina, Austrália, Egito e China; já os norte-americanos, que desfilaram levando seus chapéus de palha junto ao coração, receberam vários assobios da platéia, o que preocupou os líderes alemães, pois na Europa o assobio era uma forma de desaprovação enquanto para os norte-americanos servia também como aplauso (HOLMES, 1971). Arnold (1983) acrescenta que os austríacos realizaram a saudação nazista e os romenos a marcha militar, sendo ambos aplaudidos pelo público.
A Alemanha nazista conseguiu triunfar no quadro de medalhas ao somar 89 medalhas, 33 de ouro, 26 de prata e 30 de bronze, superando por larga margem os Estados Unidos, imbatíveis desde 1912, mas que conquistaram apenas 56 medalhas, 24 de ouro, 20 de prata e 12 de bronze. Shteinbakh (1981) informa que os alemães desejavam a primeira posição a qualquer preço e que foram beneficiados pelo programa de esportes, que estreiou aqueles de grande popularidade na Alemanha, como a Canoagem e o Handebol, e também marcou o retorno da Ginástica feminina. Além disso, para ele, os concursos de artes permitiram à Alemanha o domínio do quadro geral de medalhas. Andrews (2000) também lembra que a Alemanha encabeçou o quadro de medalhas, mas desmerece o sucesso alemão ao considerar que eles obtiveram medalhas em eventos esotéricos, como o Hipismo, a Ginástica e o Remo. Shteinbakh (1981) e Andrews (2000) se equivocam ao procurarem diminuir a proeza alemã. Mesmo sem os esportes que ingressaram no programa olímpico a Alemanha teria alcançado facilmente a primeira colocação, pois perderiam apenas 9 medalhas, 4 de ouro, 3 de prata e 1 de bronze. Além disso, na contagem de medalhas acima referenciada, não estão inclusas as medalhas dos concursos de artes. E também, mesmo naquela época, os esportes colocados por Andrews não têm nada de esotérico, apenas diferem do Atletismo e da Natação, esportes mais populares no mundo. Apesar da forte influência ideológica que revestiu os Jogos de 1936, não se pode esquecer a impressionante proeza da Alemanha em superar os Estados Unidos. Aproveitando a menção aos esportes, o programa foi ampliado com o ingresso do Basquetebol, da Canoagem e do Handebol de Campo mas teve a exclusão do Pólo Eqüestre.
Embora a Alemanha tenha superado os Estados Unidos na disputa pelas medalhas, acabou ganhando maior destaque a forte atuação dos atletas negros da equipe de Atletismo norte-americana, que desmentiram as teorias nazistas de superioridade da raça ariana. Wallechinsky (2004) afirma que esta foi a maior lembrança deixada pelos Jogos de 1936, acrescida pela popularidade alcançada pelo atleta negro Jesse Owens, ganhador de 4 medalhas de ouro no Atletismo. Shteinbakh (1981, p.114) descreve melhor a repercussão do sucesso dos atletas negros nos Jogos dos nazistas:
Apesar do êxito da equipe alemã, os Jogos Olímpicos desmentiram totalmente as teorias racistas tresloucadas dos nazistas. Segundo as intenções dos nazistas, as Olimpíadas de Berlim deveriam tornar-se uma manifestação da supremacia absoluta dos desportistas de origem ariana. Estes planos fracassaram totalmente. Os dez negros incluídos na equipe atlética americana conquistaram 6 medalhas de ouro, 3 de prata e 2 de bronze. O famoso atleta negro Jesse Owens, um dos maiores corredores de pequenas distâncias de todas as épocas, foi reconhecido o melhor desportista dos Jogos e as XI Olimpíadas entraram na história como as "Olimpíadas de Jesse Owens". A capital da ideologia ariana racista viu-se forçada a coroar um negro com os louros do melhor desportista do mundo.
Shteinbakh (1981) usa palavras mais fortes, chamando as invencionices nazistas de totalmente mentirosas. Holmes (1971) observa que apesar do sucesso esportivo alemão, as atenções acabaram voltadas para as façanhas dos negros norte-americanos, principalmente as de Jesse Owens, indicando que a suposta supremacia racial do nazismo não passava de um mito. Toomey e King (1988) entendem que as vitórias dos negros foram o maior golpe contra o esquema de propaganda nazista.
O jornal do Dr.Göbbels, o chefe da propaganda nazista, referia-se de forma discriminatória aos atletas negros dos Estados Unidos, chamando-os de auxiliares e omitindo suas vitórias da relação de vencedores (ARNOLD, 1983). Holmes (1971) esclarece que os jornais da Alemanha foram instruídos a não dar notícias sobre os participantes judeus de equipes estrangeiras e a não comentar nada sobre os mesmos nos Jogos. Toomey e King (1988) também enunciam que os negros eram discriminados e chamados de "negros auxiliares" pela propaganda nazista, mas informam que o povo alemão agiu de forma diferente, tratando-os de forma respeitosa. Reforçam sua posição com as percepções do corredor negro Mack Robinson, que afirmou ter sido bem tratado e lamentava retornar para os Estados Unidos e novamente ter que se sentar nas cadeiras do fundo dos ônibus, como cidadãos de segunda classe.
Um incidente ocorrido no primeiro dia de competições ainda hoje levanta muitas controvérsias. Hitler cumprimentou os medalhistas do Atletismo em seu camarote, mas depois de cumprimentar o alemão Woelke e o finlandês Salminen, retirou-se do estádio antes de receber o negro norte-americano Cornelius Johnson. Oposicionistas de Hitler afirmam que ele não quis cumprimentar o atleta negro, mas há outros que alertam para o fato dele ter sido advertido por membros do Comitê Olímpico Internacional a não cumprimentar publicamente os vencedores. Um músico de jazz, negro, intérprete do time norte-americano, observou que o público, predominantemente alemão, murmurou quando Hitler abandonou o estádio, traduzindo vergonha pelo acontecido (HOLMES, 1971). Outros procuram dar mais gravidade ao fato afirmando que ele não quis receber Jesse Owens, mas Fauria (1968) adverte que o mesmo não competiu em nenhuma final naquele dia e que Baillet-Latour, Presidente do COI, advertiu Hitler, logo depois do primeiro dia, a não receber os vencedores em seu camarote, pois tal procedimento era contrário ao protocolo olímpico. A partir de então, Hitler passou a receber os atletas em uma sala adjacente ao seu camarote. Toomey e King (1988) ficam em dúvida quanto ao procedimento de Hitler, questionando se ele não quis cumprimentar o negro Johnson ou se teve outros compromissos e por isso ausentou-se do estádio. Varela (1988) relata que não houve discriminação racial, apontando a presença de atletas judeus na delegação alemã e a ausência de incidentes com atletas de etnias variadas nas instalações esportivas. Porém, convém lembrar que Varela (1988) se esquece da postura adotada pelo jornal de Joseph Göbbels, que tratava os negros de forma desprezível.
Aliás, foi a delegação dos Estados Unidos que proporcionou um inesquecível momento de racismo nos Jogos de Berlim, que ficou incompreensível para muitos. Os atletas negros Williams e LuValle, respectivamente primeiro e segundo colocados na prova individual de 400 metros, não foram incluídos na equipe norte-americana de revezamento 4x400 metros, que acabou derrotada pelo Reino Unido. Na prova de revezamento 4x100 metros, ocorreu justamente o contrário, os negros Owens e Metcalfe ingressaram no lugar dos brancos Sam Stoller e Marty Glickman e garantiram a medalha de ouro para os Estados Unidos. Entretanto, Stoller e Glickman eram os únicos judeus da delegação norte-americana de Atletismo e também os únicos que retornaram de Berlim sem competir. Provavelmente a atitude foi tomada para agradar aos anfitriões. Realmente parece confuso, pois se um mesmo procedimento fosse adotado, os negros seriam incluídos nas duas equipes ou não, mas não haveria diferença de tratamento, principalmente quando se considera que uma mudança no revezamento 4x100 metros é mais complicada por exigir maior sincronia entre os componentes da equipe.
A questão dos testes para verificar e confirmar o sexo das mulheres foi mencionada durante os Jogos, pois acreditava-se que se algo não fosse feito os países iriam desistir de enviar suas atletas para competirem contra anomalias. Inclusive, um jornal britânico defendia a exclusão das mulheres dos Jogos Olímpicos, alegando que eram inferiores. Também se alegava que não havia nada a se admirar em mulheres que pareciam homens (ARNOLD, 1983). Felizmente esta visão machista não predominou e as mulheres devem ser mais admiradas pelas suas proezas atléticas do que pela sua aparência.
A presença do público durante as competições foi memorável, sendo outro ponto de destaque dos Jogos de Berlim. O público alemão parece ter compreendido a valoração que Hitler deu aos Jogos, com uma presença maciça às competições e com demonstrações exageradas tanto pelas vitórias alemãs e quanto por algumas derrotas (ARNOLD, 1983). Holmes (1981) afirma que a presença de público foi marcante, acarretando a venda de cerca de 4,5 milhões de ingressos e a geração de uma receita de 2,8 milhões de dólares, e complementa com a observação de que os estrangeiros admiraram a forma como os alemães estavam presentes em todas as provas, dispostos a assistirem a tudo, pouco importando se compreendiam ou não o que se disputava. Kieran, Daley e Jordan (1977) ainda destacam que a presença do público ocorreu mesmo com um clima que não era favorável e que o lucro pela venda de ingressos foi o maior até então. Tudo isso traduz o esforço da propaganda nazista, que divulgou ostensivamente os Jogos Olímpicos enquanto os preparava. Naturalmente, diante de tantos estímulos propagandísticos, a forte presença do público alemão foi uma conseqüência. Ainda podemos acrescentar que o sucesso dos atletas alemães serviu como um estímulo para os anfitriões.
A grande propaganda realizada pelos nazistas teve um impacto direto no turismo. Carbonetto (1995) fala no nascimento de um turismo olímpico na capital alemã, observando que havia cerca de 200 mil estrangeiros entre os mais de um milhão de espectadores presentes. Enquanto Holmes (1971, p.157) observa:
O Comitê Olímpico Alemão tirou bons proveitos dos Jogos, todas as atividades ligadas ao turismo prosperaram e, embora o governo tenha despendido muito dinheiro, posteriormente recebeu-o de volta, em investimentos estrangeiros, o necessário para sua economia, conseguindo, até, com isso, dar trabalho a milhares de desempregados
Os Jogos de Berlim foram um grande sucesso esportivo e popular, como lembra Kelly (1972). Já Holmes (1971) afirma que o mérito não foi tanto dos nazistas, pois foi a supressão de alguns dos seus aspectos mais desagradáveis durante os Jogos é que permitiram que eles fossem um sucesso. Holmes (1971) ainda informa que os alemães haviam ficado satisfeitos com o sucesso dos Jogos, principalmente por terem superado os Estados Unidos e melhorado sua imagem perante os estrangeiros. Para os atletas, complementa Holmes, os Jogos foram os melhores da história pelo tratamento que receberam, mas os que os contestam afirmam que deram apoio moral ao nazismo. Esta posição não parece correta pois os atletas não tinham idéia do que sucederia posteriormente, desejaram apenas competir no grande evento esportivo mundial.
Toomey e King (1988) acham que foi a partir de Berlim que os Jogos Olímpicos passaram a ter o crescimento que culminou com seu gigantismo dos dias atuais. Fauria (1968) reconhece que os alemães deram um grande brilhantismo aos Jogos Olímpicos, mas lamenta que eles também produziram um colapso olímpico e de outras naturezas com a Segunda Guerra Mundial. Arnold (1983) informa que a organização dos Jogos de 1936 foi a melhor até então, mas que serão sempre lembrados pelo seu uso por Hitler como forma de provar a superioridade da raça ariana. Acrescenta que, para alguns, Hitler atingiu seu objetivo pelo fato da Alemanha ter superado facilmente os Estados Unidos na luta pelas medalhas mas que, para outros, as vitórias dos negros norte-americanos no Atletismo ofuscaram as conquistas dos alemães. Holmes (1971) acredita que depois de 1936 a política e o esporte se uniram tanto para o bem quanto para o mal, sendo errônea a idéia de que o esporte internacional promova a amizade e a compreensão entre as nações, que é mais uma esperança do que algo que ocorra realmente.
Certamente os Jogos Olímpicos de Berlim foram inesquecíveis e trouxeram grandes inovações, além de terem sido amplamente documentados. Apresentaram uma excepcional organização, servindo de modelo para os organizadores posteriores. Infelizmente, porém, ocorreram num ambiente de revanchismo e serviram como forma de propaganda de uma política racista e sanguinária, sendo, por esta razão, mais lembrados. Logo após os Jogos de 1936, ainda no final da década de 30, os alemães nazistas continuaram sua política de perseguição aos povos que consideravam inferiores, principalmente aos judeus, e desencadearam uma das maiores tragédias da natureza humana, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, que cancelou os Jogos Olímpicos de 1940, marcados para Tóquio e depois transferidos para Helsinque, e de 1944, previstos para Londres. Já prevendo o que ocorreria num futuro próximo, o capitão Wolfgang Fuerstner, diretor da Vila Olímpica, descendente de judeus, cometeu suicídio logo após encerrados os Jogos, depois de informado de que sua carreira no exército seria encerrada.
Um comentário:
Jesse Owens um atleta muito imporante nessos jogos. Quando leio que um filme será baseado em fatos reais, automaticamente chama a minha atenção, adoro ver como os adaptam para a tela grande. Particularmente o filme Raça e umo dos melhores da filmografia de Carice van Houten é maravilhosa , adorei este filme. A história é impactante, sempre falei que a realidade supera a ficção.
Postar um comentário