Os Jogos Olímpicos de 1968, os vigésimos da Olimpíada, foram realizados na Cidade do México, no México, e apresentaram vários fatores que os caracterizaram, como: a primeira organização olímpica na América Latina; a preocupação com a grande altitude no desempenho dos atletas; as intensas manifestações estudantis e sua posterior repressão; os primeiros testes para confirmação do sexo feminino; a primeira desclassificação por droga; os vários problemas políticos, com destaque para a invasão da Tchecoslováquia por tropas soviéticas, os movimentos estudantis na França e as manifestações dos negros norte-americanos por direitos civis; a primeira participação da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental como nações distintas; a questão da África do Sul, que quase levou a um boicote generalizado; a fraca e limitada organização mexicana.
A Cidade do México foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 1968 num congresso olímpico realizado em Baden-Baden em 1963 (RODDA, 1976). Na votação do COI a cidade foi a vencedora com 30 votos, contra 14 da norte-americana Detroit, 12 da francesa Lyon e 2 da argentina Buenos Aires (KAISER, 2000). Dessa forma tornou-se a primeira cidade da América Latina a abrigar os Jogos Olímpicos. Aliás, nenhum outro país da região conseguiu atingir esse feito, apesar das várias candidaturas posteriores, inclusive as do Brasil, mais recentemente.
A escolha do México como sede trouxe uma grande preocupação aos atletas e aos seus treinadores por causa dos efeitos que a grande altitude e o conseqüente ar rarefeito da cidade poderiam lhes causar. Rodda (1976) afirma que poucas pessoas compreenderam o significado de competir nos eventos de resistência na altura de 2,130 metros acima do mar. Rapidamente tornou-se claro que haveria uma disparidade entre aqueles que viviam em altitude e aqueles provenientes do nível do mar, cujos corpos não poderiam reagir da mesma maneira em competições de alta classe. Pesquisadores iniciaram estudos no campo da fisiologia, alguns de grande utilidade, que precipitaram uma revolução nos treinamentos esportivos. Vários países realizaram investigação fisiológica e o trabalho da AOB (Associação Olímpica Britânica) levou a uma proposta do COI no sentido de que um período de quatro semanas deveria ser gasto em treinamento em alta altitude para aclimatização nos últimos 3 meses anteriores aos Jogos. Foi um compromisso insatisfatório para muitos países que permitiram aos seus atletas treinar em altitude por períodos muito mais longos (RODDA, 1976). Os resultados foram logo vistos nas competições esportivas, com marcas fraquíssimas nos eventos de resistência contrastando com os excelentes resultados das provas de velocidade. Arnold (1983, p.154) explica que muitos países construíram locais específicos para treinamento: “(...) Pensou-se que a falta de oxigênio podia mesmo causar mortes entre os corredores de distância, e alguns países construíram centros de esportes em alta altitude para testar os efeitos da altitude em atletas”.
Os organizadores mexicanos não contaram com os mesmos recursos que tiveram os italianos em 1960 e os japoneses em 1964. Entretanto, apesar da limitação financeira, o que marcou os Jogos do México foi a forte oposição estudantil à sua realização, por entender que o país tinha outras necessidades que deveriam ser supridas com o dinheiro que seria gasto no evento. A 10 dias do início dos Jogos, uma grande manifestação política tomou lugar na Praça das Três Culturas, em frente ao estádio olímpico. A violenta ação de tropas governamentais acabou deixando um saldo de mais de 200 mortos e mais de 1.000 feridos. Rodda (1976, p.79) explica os acontecimentos com maiores detalhes: "Na Cidade do México mesmo tinha havido descontentamento com o regime, particularmente dos estudantes, muitos dos quais sentiram que para um país com muita pobreza era desperdiçador e mal orientado estar gastando vastas somas nos Jogos Olímpicos. Os estudantes utilizaram o evento para chamar atenção para a sua causa. Seus combates com a autoridade nos meses antes dos Jogos produziram uma situação de aparência alarmante: três semanas antes dos Jogos estarem previstos para começarem, houve tanques na estrada no lado de fora da Universidade (a origem do problema) oposta ao estádio olímpico principal. Após várias manifestações e com o movimento de protesto crescendo rapidamente através do país e claramente envolvendo muito mais do que a vida estudantil, o Exército esmagou a oposição na noite de 2 de Outubro - dez dias antes dos Jogos estarem previstos para começarem. Numa manifestação de 10.000 pessoas na Praça das Três Culturas na Cidade do México, o Exército cercou a Praça e abriu fogo. Na cruel batalha que seguiu, durando 5 horas, mais de 260 foram mortos e 1.200 feridos. Não houve mais problemas adicionais e os Jogos seguiram sem interferência".
Politicamente o mundo passava por intensas agitações. Dentre elas as de maior repercussão eram as manifestações estudantis na França, o movimento tchecoslovaco por maior liberdade política, conhecido como a Primavera de Praga, violentamente reprimido por tropas soviéticas, e as manifestações dos negros norte-americanos, liderados por Martin Luther-King, por maiores direitos civis.
Arnold (1983) lembra que os Jogos de 1968 foram realizados num cenário parecido com os de 1956, pois naquela época a URSS reprimiu manifestações do povo húngaro, e dessa vez a vítima era o povo tcheco. Já os movimentos dos negros norte-americanos influenciaram amplamente os Jogos, por causa das manifestações que promoveram após cada disputa de Atletismo de que participaram. A atitude deles estava de alguma forma ligada ao fato do COI ter cogitado o retorno da África do Sul aos Jogos Olímpicos. Porém, a forte oposição dos países africanos, da URSS e dos negros norte-americanos, ameaçando um boicote, fez com que o COI revogasse sua decisão. Arnold (1983, p.154) explica melhor a situação:
"Uma disputa sobre a elegibilidade da África do Sul ameaçou reduzir drasticamente o número de nações competidoras. Em Fevereiro o COI decidiu readmitir os atletas sul-africanos. Houve protestos imediatos. As Nações Africanas negras, a URSS e os atletas negros militantes na delegação dos EUA todos ameaçaram se retirar, e foram apoiados pelos organizadores mexicanos, que temeram pelo status dos seus Jogos. O COI, com a discordância de Avery Brundage, que viu o episódio como política interferindo no esporte, foi forçado a reverter sua decisão"
Entretanto, o conturbado clima que se instalou, somado à agitação política nos Estados Unidos, fizeram com que os atletas negros norte-americanos mantivessem sua intenção de protestar durante os Jogos. Tommie Smith e John Carlos ficaram respectivamente com as medalhas de ouro e de bronze na prova dos 200 metros rasos no Atletismo. Durante a cerimônia de premiação resolveram realizar um silencioso protesto: seguraram suas sapatilhas em uma das mãos, portaram faixas dos direitos humanos em seus uniformes, vestiram meias pretas e nas mãos luvas negras, e durante a execução do hino norte-americano cerraram os punhos, ergueram um deles como saudação do Black Power e baixaram suas cabeças. Dois dias depois foram expulsos da delegação dos Estados Unidos e dos Jogos Olímpicos. Outros atletas dos Estados Unidos foram mais comedidos em suas comemorações e seus atos não foram passíveis de punição. Lee Evans, campeão dos 400 metros, e os demais atletas da equipe de revezamento 4x400m dos EUA vestiram beretas pretas e ergueram seus punhos em saudação ao público. Os medalhistas dos 400m, todos negros norte-americanos, retiraram suas beretas e ergueram seus punhos para acenar para o público, mas seus atos não foram considerados passíveis de punição. Robert Beamon vestiu meias negras, enquanto Ralph Boston compareceu descalço à cerimônia de premiação do salto em distância. Os negros norte-americanos utilizaram esta forma de manifestação para evidenciar as injustiças de que eram vítimas nos Estados Unidos (ARNOLD, 1983). Foi uma das manifestações políticas de maior impacto que já ocorreram no seio dos Jogos Olímpicos e se converteu num ponto característico para aqueles que querem fazer alguma referência aos Jogos Olímpicos de 1968 no México.
A Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental competiram pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos de Verão como nações independentes, utilizando seus próprios símbolos nacionais. Arnold (1983), comentando o assunto, lembra que os dois países já haviam competido separados nos Jogos Olímpicos de Inverno, no mesmo ano.
Como sempre ocorrem nos Jogos Olímpicos, a edição do México apresentou as costumeiras inovações, desta vez com destaque para a primeira realização de testes de feminilidade e a inédita presença de uma mulher como última corredora do revezamento da tocha e responsável pelo acendimento da pira olímpica. Wallechinsky (2004, p.15) assim as descreve: “As Olimpíadas da Cidade do México, as primeiras a incluir teste de sexo para mulheres, foram abençoados com muitas heroínas de destaque. A barreirista mexicana Enriqueta Basilio tornou-se a primeira mulher a acender a pira na Cerimônia de Abertura...”
A inclusão dos testes de feminilidade dentro do esporte acabou eliminando das competições esportivas a polonesa Ewa Klobukowska, que havia sido campeã olímpica no revezamento 4x100 metros nos Jogos Olímpicos de 1964. Quanto à escolha de Enriqueta Basílio para acender a pira olímpica, parece surpreender aqueles que conhecem um pouco as disparidades sociais que perduram nos países da América Latina com relação aos direitos das mulheres nos mais variados setores sociais.
A questão da utilização de drogas no esporte ganhou seu capítulo inicial na Cidade do México depois que houve a primeira desclassificação por drogas da história olímpica. O atleta reprovado foi um representante sueco do Pentatlo Moderno. Wallechinsky (2004, p.16) identifica o infrator: “Os Jogos de 1968 também viram a primeira desclassificação por droga, como o representante sueco no Pentatlo Moderno, Hans-Gunnar Liljenwall, testou positivo para álcool excessivo”. O sueco Liljenwall foi desclassificado pelo uso de álcool mas os desclassificados dos Jogos posteriores começaram a apresentar o uso de drogas mais pesadas, principalmente destinadas à melhoria do desempenho físico. Arnold (1983) afirma que a realização de testes estritos para drogas foi um dos pontos controversos dos Jogos de 1968.
A questão da utilização de drogas no esporte ganhou seu capítulo inicial na Cidade do México depois que houve a primeira desclassificação por drogas da história olímpica. O atleta reprovado foi um representante sueco do Pentatlo Moderno. Wallechinsky (2004, p.16) identifica o infrator: “Os Jogos de 1968 também viram a primeira desclassificação por droga, como o representante sueco no Pentatlo Moderno, Hans-Gunnar Liljenwall, testou positivo para álcool excessivo”. O sueco Liljenwall foi desclassificado pelo uso de álcool mas os desclassificados dos Jogos posteriores começaram a apresentar o uso de drogas mais pesadas, principalmente destinadas à melhoria do desempenho físico. Arnold (1983) afirma que a realização de testes estritos para drogas foi um dos pontos controversos dos Jogos de 1968.
A organização dos Jogos Olímpicos de 1968, conforme já afirmamos anteriormente, não contou com a mesma fartura de recursos dos organizadores anteriores. Naturalmente, em vistas desta limitação, os variados serviços acabaram atingidos. Arnold (1983) conclui que a organização não foi comparável às antecedentes e relata que foram pobres os serviços relacionados a comunicações, tráfego e acomodação. Arnold (1983) ainda acrescenta que as tempestades de chuva tornaram as condições sombrias.
Os Jogos Olímpicos da Cidade do México tiveram suas cerimônias de abertura e de encerramento realizadas respectivamente nos dias 12 e 27 de Outubro de 1968. Contaram com a participação de um total de 5.530 atletas de 112 países, incluindo 781 mulheres, que competiram num total de 127 provas em 20 modalidades esportivas (KAISER). Shteinbakh (1981) menciona as novas nações incorporadas aos Jogos Olímpicos: Barbados, Honduras, Ilhas Virgens, Kuweit, Nicarágua, Serra Leoa e República Centro-Africana. Wallechinsky (2004) mostra que os números de participação dos Jogos do México superaram aqueles das demais edições, com recordes em números de atletas, de mulheres e de países. Aliás, o número de países participantes deu um verdadeiro salto, indo de 93 em Tóquio para 112 no México, representando um aumento de 19 países num intervalo de apenas quatro anos.
Depois de iniciadas as competições esportivas verificou-se que o fator geográfico foi preponderante nos Jogos do México e tornou a ocasião única na história olímpica. Houve um contraste gigantesco entre os resultados obtidos nas provas de resistência e nas de velocidade. Enquanto as marcas foram deploráveis nas provas de resistência em virtude da ausência de oxigênio para os atletas, nas provas de velocidade e de saltos os atletas foram auxiliados pela menor pressão atmosférica e densidade do ar (RODDA, 1976). Wallechinsky (2004) cita, como exemplo de marcas fracas, as provas de 10.000 metros e de 3000 metros com obstáculos, cujos resultados foram os mais lentos nos últimos 20 anos. E informa o que a altitude poderia causar a um atleta de renome, citando o corredor australiano Ron Clarke, recordista mundial dos 10.000 metros, que terminou em sexto lugar, desmaiou e ficou inconsciente por 10 minutos. Rodda (1976) menciona que Clarke necessitou de um balão de oxigênio para ser reanimado. Os prejuízos causados pela altitude também foram fortemente sentidos em outros esportes. “A altitude e as indisposições estomacais surpreenderam muitos dos competidores na piscina de natação” (ARNOLD, 1983, P.162). E uma análise dos resultados mostra a quebra de apenas 6 recordes mundiais contra 13 de 1964. Acrescenta-se que foram disputadas 18 provas em 1964 contra um total de 29 em 1968 (KAISER, 2000).
Nas competições esportivas os Estados Unidos obtiveram uma estrondosa vitória diante da União Soviética, facilitada pelo aumento do número de provas da Natação, esporte responsável por 52 medalhas norte-americanas. Os norte-americanos somaram um total de 107 medalhas, 45 de ouro, 28 de prata e 34 de bronze, enquanto os soviéticos se limitaram a 91 medalhas, 29 de ouro, 32 de prata e 30 de bronze (KAISER, 2000). Desde 1952 os norte-americanos não superavam a União Soviética no número total de medalhas.
Arnold (1938) conclui que os mexicanos tiveram seus problemas para abrigar os Jogos Olímpicos de 1968. Não puderam proporcionar os excessivos gastos que os japoneses fizeram em 1964 para realizarem tão coloridos Jogos. Porém, fizeram o seu melhor e os feitos dos atletas têm durado mais na memória do que as crises políticas e as brigas.
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