sábado, 17 de maio de 2008

1948 - LONDRES, REINO UNIDO

Os Jogos Olímpicos de 1948, os décimo-quartos da Olimpíada, foram sediados em Londres, Reino Unido. Foram marcados pela retomada do movimento olímpico após uma interrupção de 12 anos; pelo desafio britânico em abrigar os Jogos logo depois de finda a Guerra Mundial; pela austeridade econômica; pela ausência de Japão e Alemanha, não convidados, e da União Soviética, que declinou o convite; pela primeira transmissão de TV para casas particulares; pelo primeiro caso de deserção; pela excelente participação estrangeira; pela universalidade alcançada pelo movimento olímpico; pelo triunfo do esporte e da paz; pelo retomada de discussão sobre o tema amadorismo-profissionalismo; pelo péssimo clima que vigorou nos Jogos.
O Comitê Olímpico Internacional estava ansioso para realizar os Jogos de 1948 logo depois de terminada a Guerra Mundial (ARNOLD, 1983). As edições de 1940 e de 1944 haviam sido canceladas por causa do grande conflito armado e em 1948 já iria completar um período de 12 anos de quebra no movimento olímpico, algo que não ocorrera nem mesmo no período de renascimento dos Jogos entre 1896 e 1920. A cidade britânica de Londres foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 1948. Anteriormente já havia abrigado os Jogos de 1908 e seria a organizadora dos Jogos de 1944, cancelados pela Guerra. Tyler e Soar (1980) afirmam que foram os próprios londrinos que haviam se oferecido, em outubro de 1945, para sediar os Jogos Olímpicos e que o Comitê Olímpico Internacional anuiu com a pretensão em Março de 1946. Varela (1988) acredita que os fatores preponderantes para a escolha de Londres foram o espírito esportivo dos britânicos, a sua vontade de receber todo o mundo do esporte e o desejo de recompensar a cidade pelas feridas da Guerra que se havia findado há pouco tempo. Andrews (2000) acrescenta ainda a presença de barracas, construídas para hospedar as tropas norte-americanas durante a Guerra, que poderiam ser utilizadas para abrigar o grande número de mulheres e homens participantes. Curiosamente as cidades que sofreram pesados ataques durante períodos de Guerra acabaram escolhidas para abrigarem os Jogos Olímpicos posteriores ao conflito, como foram os casos da belga Antuérpia em 1920 e da britânica Londres em 1948.
Os organizadores enfrentaram gravíssimas dificuldades financeiras porque a cidade ainda estava se recuperando dos estragos causados pela Guerra Mundial. Shteinbakh (1981) lembra que muitos ingleses protestaram contra mais um fardo que se colocava sobre seus ombros. Fauria (1968) informa que os Jogos de Londres ficaram conhecidos como "Os Jogos da Austeridade", havendo escassez de alimentos, transportes precários, distâncias maiores para deslocamento e alojamento em quartéis para os atletas. Algumas delegações trouxeram alimentos de seu próprio país, como foi o caso dos Estados Unidos. Andrews (2000, p.253) mostra as dificuldades ao relatar o cotidiano da Austrália nos Jogos: "Os australianos gastaram muito tempo nos Jogos hospedados numa escola suburbana, com refeições preparadas numa sala equipada para ensinar ciência doméstica. O transporte para as sedes foi caótico, com os atletas freqüentemente tendo que se deslocar a pé ou pedindo carona". Ortega (1988) é mais sucinto ao mencionar a escassez de comida, os graves problemas de transporte e o alojamento em quartéis. Varela (1988) ainda inclui a deficiência das comunicações e a improvisação da organização, que deixou muito a desejar principalmente no setor de imprensa, de protocolo e de serviços.
O fornecimento de alimentação transformou-se num grande problema que só foi solucionado com a solidariedade dos países participantes dos Jogos. Carbonetto (1995) informa que os Estados Unidos transportaram bisteca, chocolate e pão branco numa ponte área estabelecida com Londres; a Dinamarca e a Holanda ofereceram uva; a Tchecoslováquia forneceu água mineral e a Federação Britânica de Pesca contribuiu com peixes. Gherarducci (1984) também menciona que os italianos levaram grande quantidade de pasta e uva a Londres.
Carbonetto (1995) pondera que a necessidade de se dedicar à recuperação da economia praticamente excluiu a possibilidade de construção de novas instalações, sendo que a única melhoria se efetuou no estádio de Wembley. Dessa forma, as instalações esportivas e as que deveriam abrigar os atletas ficaram comprometidas. Não havia dinheiro nem materiais para a construção de uma Vila Olímpica, ficando os homens alojados num campo do exército em Uxbridge e as mulheres em dormitórios no Southlands College (SCHAAP, 1967). Nesse caso, nota-se que a estrutura esteve pior do que em 1924, quando em Paris foi criado um modelo precursor da Vila Olímpica, com a disposição de várias casinhas de madeira para abrigar os atletas. Arnold (1983, p.84) comenta as dificuldades materiais a respeito das instalações:

Seis anos de guerra naturalmente significaram que os programas de ação tiveram que ser austeros. Ainda demoraria dois ou três anos para que o público britânico estivesse livre de racionamento, e havia falta de materiais e suprimentos. Não houve Vila Olímpica, e os atletas foram acomodados em escolas adaptadas e em campos militares. Nenhum novo estádio foi construído mas a Bretanha estava bem equipada com locais de competição. O Estádio que havia sido construído em Wembley para a Exibição do Império Britânico em 1924 e que vinha abrigando a Football Association Cup Final desde 1923 foi utilizado para o Atletismo...

Este relato feito por Arnold bem demonstra o estado de penúria em que se encontravam os britânicos. Gherarducci (1984) também menciona a improvisação feita para se hospedar os atletas e a modernização das antigas instalações, e ainda lembra que o velódromo Harne Hill, local das disputas de Ciclismo, tinha quase 60 anos de uso. Calculando-se a partir de 1948, chega-se à conclusão de que o mesmo havia sido construído por volta de 1890. Tyler e Soar (1980) enfatizam que os organizadores britânicos foram afortunados em terem em Londres as construções da Exibição do Império Britânico.
Politicamente, o mundo havia acabado de sair de um grande conflito mundial que deixou feridas não cicatrizadas em muitos países. Os agredidos na Segunda Guerra Mundial estavam ressentidos com a violência que sofreram. Assim, Alemanha e Japão, considerados agressores, não foram convidados para os Jogos Olímpicos de 1948. Carbonetto (1995) acredita que a Itália também não seria convidada mas, após longa discussão, acabou recebendo seu convite. Gherarducci (1984) entende que o procedimento de se excluir as nações agressoras era discutível, lembrando o ocorrido já em 1920. Para ele, tratava-se de uma intromissão da política no campo esportivo. Com relação à Itália, Gherarducci (1984) informa que os ingleses tentaram impedir a participação dos italianos por estes terem se aliado aos japoneses e aos alemães no período fascista de Mussolini. Mas acrescenta que foi um inglês, o Primeiro-Ministro Winston Churchill, que interveio a favor dos italianos, lembrando que o fato da Itália ter assinado o armistício em 1943 já lhes permitia a participação olímpica. Segundo Varela (1988) Japão e Alemanha foram barrados porque o regulamento exigia que os países tivessem um Comitê Olímpico Nacional que os legitimasse, o que não era o caso deles. Entretanto não se pode esquecer que ambos os países já eram tradicionais nos Jogos Olímpicos e que uma simples questão burocrática não impediria suas participações. Parece que a questão foi realmente política. Toomey e King (1988) dão mais ênfase ao prejuízo esportivo sofrido pelos Jogos com a ausência dos japoneses, fortíssimos na Natação, e dos alemães, citando esgrima, canoagem e tiro.
A União Soviética já existia desde 1922 e a Rússia havia participado dos Jogos Olímpicos de 1908, em Londres, e de 1912, em Estocolmo. Entretanto, depois da Revolução Socialista de 1917, nunca mais compareceram ao evento. Havia certa expectativa quanto à participação soviética em Londres em 1948 porque os soviéticos haviam competido no campeonato europeu de Atletismo, no campeonato mundial de levantamento de peso em 1946 e no campeonato europeu de luta greco-romana em 1947, alcançando bons resultados. A União Soviética havia sido admitida pelo Comitê Olímpico Internacional em 1947 e poderia ter comparecido a Londres no ano seguinte mas preferiu apenas enviar observadores para analisar os demais países, não desejando fazer uma fraca estréia. Objetivavam os Jogos de 1952 e também serem os melhores neles (SCHAAP, 1967). Convém lembrar que a União Soviética também era recém-saída de um sanguinário conflito que ocorreu em seu território e que perdera milhões de jovens talentosos em combates, tendo uma reduzida base para preparar suas equipes. Gherarducci (1984) afirma que os atletas e treinadores soviéticos iniciaram movimentos pró-olimpíada, mas prevaleceu a vontade dos dirigentes, que desejavam que o país ingressasse nos Jogos num momento mais propício.
Porém, nem todos os países do bloco comunista seguiram o exemplo soviético. Hungria, Polônia, Tchecoslováquia e Iugoslávia compareceram aos Jogos, sendo que a última havia recentemente protagonizado uma clamorosa ruptura com Moscou (GHERARDUCCI, 1984).
Israel iria iniciar sua participação na história dos Jogos Olímpicos já no ano de 1948, visto que enxergava uma possibilidade de simbolizar seu status de estado independente através da presença olímpica. Porém, os estados árabes ameaçaram boicotar os Jogos caso fosse permitida a atuação israelense. Israel somente estreiou olimpicamente em 1952, em Helsinque, Finlândia (TOOMEY E KING, 1988).
Tecnologicamente houve alguns avanços significativos, apesar das dificuldades materiais. As transmissões de rádio e televisão foram maiores em termos de extensão do que nos Jogos anteriores. Embora houvesse 80 mil televisores na Inglaterra, calcula-se que o número de telespectadores possa ter excedido meio milhão (ABRAHAMS, 1976). Wallechinsky (2004) acrescenta que pela primeira vez a transmissão televisiva atingiu a casa de particulares. Arnold (1983, p.84) melhor expõe:

A televisão estava nos estágios iniciais de sua tremenda popularidade subseqüente. Havia cerca de 80 mil aparelhos na Grã-Bretanha, nos quais mais de meio milhão de telespectadores assistiram a algo dos Jogos. Foi a primeira vez que os Jogos tinham sido televisionados para o público em sua própria casa

Posteriormente a televisão iria se tornar um importante aliado do Movimento Olímpico e maior gerador de renda em virtude da venda dos direitos de transmissão por parte do Comitê Olímpico Internacional às emissoras internacionais.
Os Jogos Olímpicos de 1948 foram oficialmente abertos no dia 29 de Julho e encerrados em 14 de Agosto. Contaram com a participação de um total de 4.099 atletas, incluindo 385 mulheres, representando 59 países, que competiu em 136 provas distribuídas entre 19 modalidades esportivas (KAISER, 2000). Fauria (1968) observa que foram batidos todos recordes de participação de Berlim, embora a organização, deficiente em muitos aspectos, não pôde ser comparada à de Berlim doze anos antes. Vários países fizeram sua primeira aparição nos Jogos Olímpicos, como foram os casos de Birmânia, Venezuela, Guiana, Iraque, Irã, Líbano, Paquistão, Porto Rico, Singapura, Síria, Trinidad e Tobago, Ceilão (atual Sri-Lanka), Coréia e Jamaica (SHTEINBAKH, 1981).
O Rei George VI presidiu a Cerimônia de Abertura, que registrou uma audiência de 83.000 espectadores presentes, que lotaram o estádio Wembley. Os pombos da paz voaram mais uma vez, a bandeira olímpica tremulou novamente e a tocha olímpica ardeu esplendorosa como nunca (SCHAAP, 1967). Depois de um longo período apagada pelo sangue da Guerra Mundial, a tocha olímpica novamente foi acesa e seu transporte até Londres ocorrera também por revezamento, como 12 anos antes em Berlim. Em seu revezamento, iniciado em Olímpia, na Grécia, a tocha não pode passar pelos hostis países dos Balcãs, como Albânia, Bulgária e Iugoslávia (ARNOLD, 1983). O mundo ficou dividido ideologicamente entre capitalistas e comunistas, e os segundos acabaram se fechando e se isolando dos demais.
O clima predominante nos Jogos acabou se convertendo num grande problema. Coote (1980) informa que o evento se iniciou com ardentes raios solares mas que posteriormente foi tomado pelas chuvas torrenciais. Carbonetto (1995) acrescenta que o clima chuvoso acabou prejudicando a presença do público e o rendimento dos atletas. Por exemplo, a pista de Atletismo passou a maior parte do tempo alagada. Greenberg (1988) enfatiza que os primeiros dias dos Jogos foram os mais quentes, mas que depois começou a chover.
Os resultados obtidos pelos atletas não foram satisfatórios na visão de Shteinbakh (1981) porque a guerra havia destruído a vida de jovens talentosos. Aliás, segundo Varela (1988), após a Segunda Guerra Mundial novamente afluíram questões relativas ao profissionalismo, surgindo a classe do atleta de Estado, que tinha uma função ou se enquadrava no exército, e a do norte-americano que financiava os estudos com seus desempenhos esportivos. Os verdadeiros amadores eram os atletas a Europa Ocidental, que conciliavam seus estudos com o desempenho esportivo. A questão do atleta funcionário do Estado e a do universitário serviram para camuflar o profissionalismo, veemente combatido no seio olímpico naquela época.
Nos Jogos Olímpicos de Londres também se registrou a primeira deserção política quando Marie Provaznikova, presidente da comissão técnica de ginástica feminina, recusou-se a retornar ao seu país, a Tchecoslováquia, governada pelos comunistas (WALLECHINSKY, 2004).
As mulheres negras conseguiram atingir um importante feito nos Jogos de 1948 ao conquistarem suas primeiras medalhas olímpicas, ambas no Atletismo. A norte-americana Audrey Patterson tornou-se a primeira negra a conquistar uma medalha olímpica, obtendo a de bronze na disputa de 200 metros. No dia seguinte, a também norte-americana Alice Coachman venceu a competição de salto em altura, tornando-se a primeira negra campeã olímpica. O feito foi memorável por ter provado que as negras também eram capazes de atingir um nível sensacional.
Os Jogos transcorreram sem qualquer incidente e sem o clima belicoso que predominou em Berlim, doze anos antes, atingindo o mais puro espírito olímpico, com o predomínio da amizade e da solidariedade entre os povos, algo que era ansiosamente buscado numa época manchada pelas tristes e intensas lembranças da Guerra Mundial. Varela (1988) explica que ainda houve a geração de lucro, apesar das dificuldades. Shteinbakh (1981) lembra que um representante da delegação norte-americana agradeceu aos britânicos e afirmou que em nenhuma outra Olimpíada se havia verificado manifestações tão patentes da magnitude do esporte e da amizade.

Os Jogos de Londres foram realizados no verdadeiro espírito olímpico, sem qualquer sinal do chauvinismo que tinha marcado e estragado as Olimpíadas de 1936. Eles desempenharam uma contribuição valorosa em ajudar a restaurar algum senso, alguma sanidade ou alguma estabilidade para um mundo esgotado pela Guerra (GILLER, 1984, P.134)

Os Jogos também serviram para dar entretenimento e diversão para as pessoas que haviam sobrevivido à tragédia da Segunda Guerra Mundial. As grandes performances atléticas serviram para preencher e dividir espaço com as tristes lembranças de Guerra na memória delas. Carbonetto (1995) observa que o balanço dos Jogos foi positivo por ter levado uma mensagem de esperança ao mundo. E Arnold (1983, p.93) conclui que "o espírito olímpico sobreviveu à Guerra e estava em boas condições para avançar até Helsinque".
Londres passou ao passado dos Jogos Olímpicos e o mundo já se preparava para os Jogos de Helsinque, que iriam testemunhar a estréia da União Soviética e o início da Guerra Fria no esporte, envolvendo soviéticos e norte-americanos.

Nenhum comentário: