domingo, 27 de abril de 2008

1928 - AMSTERDÃ, HOLANDA

Os Jogos Olímpicos de 1928, os nonos da Olimpíada, foram sediados em Amsterdã, Holanda. Foram marcados pela perseverança holandesa em abrigar o evento; pelo retorno da Alemanha após um intervalo de 16 anos; pelo grande apoio popular em contraposição à Igreja e à Realeza; pelos incidentes no desfile de Abertura; pela questão do profissionalismo; pelas inovações, incluindo dessa vez a chama olímpica e o revezamento da tocha olímpica; pela participação feminina no Atletismo após anos de luta; pelo crescente internacionalismo qualitativo do Movimento Olímpico; pelo sucesso dos Jogos num período de paz mundial.
A Holanda perseguiu de forma incansável o direito de abrigar os Jogos Olímpicos. Havia perdido para Berlim em 1916 e acabou sendo preterida em 1920, quando a escolha recaiu sobre a belga Antuérpia, e em 1924, ocasião em que teve que se curvar diante do pedido de Coubertin favorável a Paris. A longa espera foi recompensada, pois os holandeses conseguiram organizar um evento memorável. Varela (1988) acredita que a Holanda era o lugar ideal para a manifestação do esporte e do Olimpismo, pois predominava no país uma grande paz, e ainda acrescenta que o mesmo não havia participado da Guerra.
Apesar de ter conseguido o direito de organizar os Jogos, os holandeses passaram a enfrentar dificuldades financeiras, pois não contavam com o apoio da Realeza e da Igreja. Assim, descreve Fauria (1968, p.175) a respeito das dificuldades:

(...) Estas vieram principalmente da família real, e concretamente da rainha Guilhermina e da Igreja do país, que consideravam aquelas manifestações esportivas como uma exaltação dos vencedores da última guerra, bem como uma herança do paganismo. Como conseqüência disso, a principal dificuldade foi econômica, pois a rainha reteve as subvenções ao Comitê Organizador até a última hora.
Os organizadores, então, procuraram solucionar o problema financeiro com a criação de uma loteria, que acabou fracassando. Outras formas de arrecadação foram tentadas, mas resultaram infrutíferas. Entretanto, ainda conforme Fauria (1968), a situação foi resolvida com uma coleta popular que teve um forte apoio dos patriotas das Índias Holandesas, que contribuíram com fortes somas em dinheiro. A Prefeitura também contribuiu e, por fim, também o Estado, entretanto com a rainha Guilhermina se opondo a presidir a cerimônia de Abertura dos Jogos. Mais uma vez se percebe a popularidade atingida pelos Jogos Olímpicos, principalmente quando se verifica que a população ajudou a financiar o evento espontaneamente.
A Alemanha, após uma ausência de 16 anos, finalmente retornou aos Jogos Olímpicos. Não fora convidada para os Jogos de 1920, por ter sido considerada nação agressora na Primeira Guerra Mundial, e preferiu boicotar os de 1924 por causa dos ressentimentos de guerra em relação aos franceses. Aliás, Fauria (1968, p.176) lembra a boa relação dos holandeses com os alemães: "...Os holandeses, que não haviam tomado parte na Guerra Mundial, sentiam certa simpatia pelos alemães, e bastante menos pelos representantes das nações vencedoras". Essa preferência acabou provocando um grande incidente antes do desfile de Abertura dos Jogos. O porteiro do estádio olímpico permitiu a entrada dos alemães para inspecionarem as instalações, mas impediu acesso aos franceses e norte-americanos. Um incidente diplomático surgiu quando o chefe da delegação francesa, Paul Méricamp, tentando abrir caminho, acabou agredido pelo porteiro. Os organizadores fizeram um pedido formal de desculpas, aceito pelos franceses. Entretanto, no dia seguinte, quando se dirigiam ao estádio para a cerimônia de abertura, desistiram de participar quando se depararam novamente com o porteiro. Shteinbakh (1981) afirma que na verdade o guarda novamente barrou os franceses que, contrariados pela nova provocação, acabaram desistindo de participar do desfile de abertura. Foi necessária a intervenção do Ministro de Negócios Estrangeiros para amenizar a situação. A ocorrência realmente foi grave e temeu-se o boicote francês depois dos incidentes. Arnold (1983, p.50) assim descreve: "Os franceses boicotaram a cerimônia de abertura e quase os Jogos por causa das atitudes de um porteiro anti-francês e pró-germânico que os organizadores holandeses demoraram em remover".
Os norte-americanos também foram barrados pelo porteiro holandês, entretanto, optaram por um caminho diferente daquele tomado pelos franceses. Como lembra Fauria (1968), o famoso general Douglas McArthur, que chefiava a delegação dos EUA, derrubou uma das portas de entrada do estádio utilizando um dos autocarros que transportava a delegação norte-americana. Depois, disse ao porteiro que lhe enviasse a conta pelos danos causados. Esse incidente e o ocorrido com os franceses ilustram bem o clima de ressentimento que havia entre os países, já que questões irrelevantes acabaram assumindo proporções diplomáticas. Arnold (1983) enfatiza a presença da Alemanha, da Áustria, da Hungria e da Bulgária, perdedores da Guerra Mundial, mas também aponta a ausência da União Soviética, que anunciou seus próprios Jogos.
Em Amsterdã as costumeiras inovações na cultura dos Jogos Olímpicos estiveram presentes. A principal delas foi o acendimento da tocha olímpica e seu transporte em revezamento para o local dos Jogos. Varela (1988, p.37) expõe o pioneirismo: "Pela primeira vez, a chama olímpica, acendida nas ruínas de Olímpia, no Peloponeso, chegou à cerimônia inaugural mediante revezamentos que cruzaram Grécia, Iugoslávia, Áustria, Alemanha e Holanda". Varela (1988) afirma que assim nasceu um dos mais belos simbolismos da juventude moderna. Greenberg (1987) cita outras inovações, como a adoção da medida de 400m para a pista de Atletismo, a construção de um grande placar de resultados, a revoada de pombos na cerimônia de abertura para simbolizar a paz e a manutenção do fogo olímpico queimando durante a realização dos Jogos. Keith (1988, p.21) expõe as mesmas idéias, mas de forma mais resumida: "...Novidades foram uma padronizada pista de 400 metros, um largo placar de resultados, uma chama olímpica durante os Jogos e pombos para a paz na Abertura". Entretanto, ao contrário de 1924, não houve uma Vila Olímpica, conforme expõe Varela (1980, p.37): "Não se repetiu a experiência da Vila Olímpica e os participantes se alojaram em quartéis, barcos, escolas e demais lugares improvisados". Fauria (1968) informa que algumas delegações, como as dos Estados Unidos e da Itália, preferiram abrigar seus atletas nos navios que os levaram à Holanda.
A Cerimônia de Abertura, além da chama olímpica, do revezamento da tocha e da revoada dos pombos, ainda apresentou outra inovação que se incorporou à cultura dos Jogos Olímpicos posteriores, qual seja, o desfile da Grécia em primeiro lugar e o do país da cidade anfitriã fechando o desfile. Assim relata Wallechinsky (2004, p.9): "Na Cerimônia de Abertura, a delegação da Grécia liderou a parada das Nações, e a anfitriã delegação holandesa marchou por último. Grécia em primeiro, anfitriões por último, tornar-se-ia parte permanente do protocolo olímpico".
O programa de esportes sofreu forte influência da questão do profissionalismo, principalmente com relação ao Futebol, o Tênis e o Tiro ao Alvo. Fauria (1968) lembra que o Comitê Olímpico Internacional estava mantendo complicadas relações com as federações internacionais de Futebol, que havia modificado sua concepção de amadorismo de forma conflitante com as regras olímpicas, e de Tênis, que havia proibido a participação de seus membros nos Jogos Olímpicos porque o COI não admitia a reclassificação de jogadores profissionais. Ortega (1988) é mais incisivo ao afirmar que o Tênis, por causa das discordâncias de sua federação internacional, foi eliminado do programa olímpico. Realmente, o Tênis somente retornou ao mundo olímpico como esporte oficial em 1988, 64 anos depois de ter feito sua última aparição, ocorrida em Paris, em 1924. Com relação ao Tiro ao alvo, Kelly (1972, p.80) expõe o que ocorreu: "Em virtude do COI não se ter decidido sobre a definição de amadorismo para as provas de tiro, essa competição não foi realizada em Amsterdã". Entretanto, já em 1932, o Tiro ao alvo retornou ao programa dos Jogos, porém com apenas 2 provas. Sofreu uma grande reformulação com relação ao período de 1900 a 1924, em que foram disputadas várias provas, inclusive por equipes.
Mas a principal mudança no programa de esportes ocorreu com a admissão das mulheres no Atletismo. Depois de 32 anos elas finalmente puderam competir no esporte nobre dos Jogos Olímpicos. Entretanto, a participação das mulheres na modalidade foi marcada por muita controvérsia, já que houve grande influência dos preconceitos sociais da época. Giller (1984, p.117) comenta: "Nesta Era de igualdade e de liberação das mulheres, parece notável que não foi até 1928 que elas foram permitidas competir no principal esporte olímpico, o Atletismo. Foi com alguma relutância que o COI concordou com um programa feminino limitado a apenas 5 provas: 100m, 800m, revezamento 4x100m, salto em altura e lançamento de disco". Olan (1979) informa que houve oposição também da Igreja, com o Papa Pio XI condenando a decisão de incluir as mulheres também no Atletismo. Olan (1979) também lembra a opinião do Barão de Coubertin, que em 1912 havia afirmado que os Jogos Olímpicos deveriam ser reservados somente aos homens e que pouco antes de sua morte em 1937, já conformado com a força das mulheres no movimento olímpico, teria aceitado a participação das mulheres nos esportes de que desejassem participar, mas ainda colocando a objeção delas não poderem se exibir. Infelizmente, o Barão de Coubertin não pôde estar presente porque estava se recuperando de uma doença (SCHAAP, 1967). Wallechinsky (2004) informa que o número de atletas femininas foi superior ao dobro do que havia sido registrado anteriormente, acrescentando que finalmente as mulheres foram permitidas competir na Ginástica e no Atletismo. Ainda expõe que houve grande relutância da Federação Internacional de Atletismo e do Comitê Olímpico Internacional em incluir provas de corrida para as mulheres. Entretanto, houve grande controvérsia quando as mulheres disputaram a final dos 800 metros e muitas delas terminaram esgotadas a prova e tombaram de exaustão. Muitos antifeministas criticaram a realização de provas de resistência para as mulheres, sendo que o novo Presidente do COI, o belga Henri de Baillet-Latour, sugeriu a eliminação de todos os esportes para mulheres dos Jogos Olímpicos. A Federação Internacional de Atletismo resolveu eliminar todas as provas de corrida mais longas do que 200 metros e assim, por 32 anos, as mulheres só competiram em provas até 200 metros. Em 1960, nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, a prova feminina de 800 metros retornou ao programa olímpico.Felizmente os pontos de vista de Baillet-Latour não prevaleceram e as mulheres, apesar dos preconceitos, conseguiram aumentar sua participação dentro do programa olímpico. Atualmente competem praticamente no mesmo número de provas que os homens. Wallechinsky (2004), comentando a prova feminina de 800 metros de Amsterdã-1928, lembra que houve artigos, escritos por médicos, dizendo que as mulheres que corriam provas mais longas que 200 metros ficavam velhas mais cedo. Entretanto, houve aqueles que lembraram que os homens também terminavam esgotados em várias disputas esportivas, principalmente em esportes como o Remo. Apesar de toda controvérsia surgida com a participação feminina no Atletismo, os Jogos Olímpicos de Amsterdã foram um marco inesquecível na história esportiva das mulheres.
Os Jogos Olímpicos de Amsterdã foram iniciados no dia 17 de Maio e encerrados em 12 de Agosto de 1928. Entretanto, a Cerimônia de Abertura ocorreu no dia 28 de Julho. Um total de 3.014 atletas, incluindo 290 mulheres, representando 46 países, competiu em 109 provas distribuídas em 16 modalidades esportivas (KAISER, 2000).
Wallechinsky (2004) constata que os Jogos Olímpicos atingiram um grande internacionalismo pelo fato de um total de 28 diferentes nações ter conquistado medalhas de ouro em Amsterdã, recorde que permaneceria inatingível por 40 anos. Toomey e King (1988) acrescentam que estas nações eram de continentes diversos, utilizando como exemplos os sul-americanos Argentina e Uruguai, o africano Egito e os asiáticos Índia e Japão. Pode-se dizer que em Amsterdã ocorreu um significativo aumento da participação qualitativa dos países, traduzido pela conquista de medalhas por vários deles. Isso demonstra que os países não estavam preocupados apenas em enviar seus atletas aos Jogos Olímpicos, mas também em treiná-los para que pudessem competir em melhores condições com as potências tradicionais. Assim, o esporte foi o maior beneficiado.
Os Jogos de Amsterdã transcorreram perfeitamente, sem grandes incidentes, exceto pelos costumeiros incidentes quanto à arbitragem no Boxe e pela confusão causada pelo porteiro holandês que hostilizou os franceses e os norte-americanos na Abertura do evento. Toomey e King (1988, p.23) são mais precisos: "Os Jogos de Amsterdã foram um grande sucesso. Aqueles que tinham lutado duramente para estabelecer os Jogos a passos estreitos tinham que estar encantados com a instituição que havia atingido a maturidade".

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