segunda-feira, 31 de março de 2008

1924 - PARIS, FRANÇA

Os Jogos Olímpicos de 1924, os oitavos da Olimpíada, foram sediados em Paris, França. Apresentaram aspectos relevantes como: a recuperação da França após o fracasso de 1900; a ausência da Alemanha em virtude de ressentimentos de Guerra; a primeira construção semelhante à Vila Olímpica; a inclusão de mais rituais ao protocolo olímpico; a forte onda de calor durante os Jogos; a rivalidade entre França e EUA; a intervenção das Federações Internacionais; a presença de várias personalidades, atestando a popularidade dos Jogos.
A cidade francesa de Paris foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 1924 por grande influência do Barão de Coubertin, que em 1925 encerraria seu mandato como Presidente do Comitê Olímpico Internacional. Ele desejava que Paris se redimisse do fracasso de 1900, organizando um evento memorável. No mesmo ano, comemorava-se o trigésimo aniversário de fundação do Movimento Olímpico Moderno. Fauria (1968) afirma que Coubertin pediu abertamente aos membros do COI que votassem em Paris porque era sua cidade natal, o local onde se preparou o renascimento dos Jogos Olímpicos e também por 1924 marcar o trigésimo aniversário do referido renascimento. Embora Amsterdã fosse a favorita, o COI acatou o pedido de Coubertin e Paris foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 1924. Com isso, conforme lembra Shteinbakh (1981), a cidade francesa tornou-se a primeira no mundo a sediar o evento pela segunda vez. Amsterdã obteve o direito de sediar os Jogos de 1928.
A escolha de Paris como sede dos Jogos de 1924 ocorreu na sessão do COI do ano de 1921. Gherarducci (1984) escreve que duas outras decisões de grande importância para o Movimento Olímpico foram a fundação da comissão executiva do COI, dando-lhe um caráter de governo do olimpismo e que passou a atuar oficialmente cinco meses depois, e a criação dos Jogos Olímpicos de Inverno, cuja primeira edição ocorrera meses antes em Chamonnix, na França, mas que só foi reconhecida posteriormente. Schaap (1967) entende que a criação dos Jogos de Inverno serviu para aproximar ainda mais do movimento olímpico os países alpinos e nórdicos. Entretanto, não se pode esquecer que os países nórdicos e os alpinos foram grandes entusiastas dos Jogos Olímpicos da Era Moderna desde o seu início.
As dificuldades de organização novamente afetaram Paris, levando o Barão de Coubertin a concordar com a sugestão do norte-americano Garland em transferir os Jogos para Los Angeles. Ben Olan (1979) expõe a precária situação de Paris recém-saída da Guerra, indicando que, entre outros problemas, 80% das casas tiveram que ser reconstruídas e 88% das fábricas retomavam sua operação. Além disso, ainda acrescenta que houve um aumento drástico no custo de vida e que a situação ficou mais complicada quando, no inverno de 1923, o Rio Sena transbordou e inundou parte da cidade. Para completar o triste cenário, as instalações esportivas eram inadequadas, exigindo mais recursos financeiros para serem colocadas em situação de uso. Entretanto, com a intervenção do governo francês e a cessão do Racing Club de Paris foi possível construir um estádio em Colombes, embora muito longe da cidade, possibilitando a realização dos Jogos (FAURIA, 1968). Kelly (1972, p.75) lembra que houve grande atraso: "...As falhas observadas nos Jogos Olímpicos de 1900, não seriam repetidas desta feita, muito embora o governo francês e a Prefeitura de Paris demorassem dois anos a fornecer as subvenções necessárias". De qualquer forma, foi possível a realização dos Jogos de Paris e o cenário nem de longe lembrou os tumultuados Jogos de 1900.
No campo político perduravam os ressentimentos da Guerra Mundial. A Alemanha não compareceu aos Jogos porque ainda estava com relações estremecidas com a França. Varela (1988) informa que a Alemanha não foi convidada, mesma opinião de Olan (1979). Entretanto, o alemão Kaiser (2000), depois de mencionar o retorno de Bulgária, Áustria, Hungria e Turquia, não convidados em 1920, explica que a Alemanha não compareceu a Paris por causa do ressentimento em relação à França. Sendo um pesquisador alemão, parece estar melhor estruturado para elucidar o que realmente aconteceu. Por isso, compartilhamos de seu entendimento. Greenberg (1987) também segue a linha de Kaiser, apontando as frias relações da Alemanha em relação à França como causa da ausência. Gherarducci (1984) acrescenta que os alemães estavam passando por uma desastrosa crise econômica que reduziu a praticamente zero o valor de sua moeda, o marco alemão. Aliás, foi essa situação que favoreceu a ascensão do sanguinário Adolf Hitler ao poder e a tudo que se seguiu. Acreditamos que as duas situações determinaram a ausência alemã, pois não se dá para separar a Guerra da crise econômica. Ambas as situações estavam num mesmo cenário histórico. A recém-formada União Soviética também se ausentou dos Jogos e se manteve fora da esfera olímpica por mais 28 anos, ingressando apenas em 1952. Shteinbakh (1981) lembra que outros países debutaram nos Jogos Olímpicos, como foram os casos de Haiti, Irlanda, México, Polônia, Romênia, Uruguai, Filipinas e Equador. Embora os irlandeses já participassem juntamente com os britânicos, em Paris competiram pela primeira vez sob suas próprias cores.
As costumeiras inovações que foram sendo acrescentadas à cultura olímpica incluíram, dessa vez, a introdução do lema olímpico "Citius, Altius, Fortius" (o mais rápido, o mais alto, o mais forte) e do ritual de, durante a Cerimônia de Encerramento, hastear-se as bandeiras do Comitê Olímpico Internacional, da Nação anfitriã e da próxima Nação encarregada de sediar os Jogos (WALLECHINSKY, 2004). As palavras que compõem o lema olímpico haviam sido proferidas, inicialmente, pelo monge francês Frei Henri Didon em 1895 (KEITH, 1988). Além disso, pela primeira vez, foram construídas habitações para os atletas próximas ao estádio, sendo que as mesmas ficaram conhecidas como a primeira Vila Olímpica da história. Shteinbakh (1981, p.85) assim descreve: "...O estádio foi construído num subúrbio triste, em seu redor foram construídas casinhas desengraçadas para os esportistas". Fauria (1968) explica que o mais apropriado seria chamá-las de Povoado Olímpico, pois se resumiam a uma série de casinhas de madeira, não muito cômodas. Apesar do desconforto, a iniciativa possibilitou um maior convívio entre os atletas.
O Comitê Olímpico Internacional impôs ainda mais sua autoridade para impedir que o país anfitrião incluísse eventos livremente no programa conforme sua conveniência (GREENBERG, 1987). Além disso, conforme lembra Olan (1979), a responsabilidade por conduzir as competições foi revertida para as federações internacionais individuais que governavam cada esporte. A conseqüência desta política ocasionou a melhoria do nível técnico das competições, como afirma Varela (1988, p.35): "...O rigor técnico na regulamentação dos grandes esportes facilitou a progressão e emotividade das competições".
As mulheres continuaram ganhando espaço em sua luta por uma maior aceitação no mundo esportivo. Além de já competirem no Tênis, na Natação e nos Saltos Ornamentais, estreiaram na Esgrima, como menciona Kaiser (2000, p. 149): "...Primeira prova feminina olímpica com 25 esgrimistas de 9 países...".
Os Jogos Olímpicos de 1924 se iniciaram em 04 de Maio e se encerraram em 27 de Julho do mesmo ano. Entretanto, a cerimônia oficial de Abertura ocorreu no dia 5 de Julho. Um total de 3.092 atletas, incluindo 136 mulheres, representou 44 países, que competiram em 126 provas distribuídas entre 18 modalidades esportivas (KAISER, 2000). O número de nações participantes foi recorde, superando a anterior marca de 29. Wallechinsky (2004) afirma que essa evolução significava maior aceitação dos Jogos como grande evento. Ainda lembra que o fato foi atestado pela presença de 1.000 jornalistas.
Os Estados Unidos e a França estavam em delicadas relações políticas, principalmente depois que o governo norte-americano criticou a ocupação francesa na região do Ruhr. O clima tenso acabou transferido para as competições esportivas, atingindo seu ponto máximo na final da competição de Rugby entre os dois países, em que um torcedor francês se irritou com as comemorações de um torcedor dos Estados Unidos e o agrediu severamente (WALLECHINSKY, 2004). Os franceses ficaram conhecidos pelo seu excessivo chauvinismo, prática contrária aos princípios do olimpismo, que prega a amizade entre os povos. Keith (1988, p.20) relata as rivalidades ocorridas em Paris: "Tristemente, houve algumas demonstrações da platéia, lutando e brigando, o que originou um editorial no The Times com o título "Não mais Jogos Olímpicos". Como lembra Kaiser (2000), os aspectos negativos dos Jogos foram a fraca arbitragem no Boxe e na Esgrima, bem como o nacionalismo demonstrado pelo público, principalmente contra os atletas dos Estados Unidos. Na verdade, o chauvinismo francês provocou as fracas arbitragens, pois as queixas nunca foram feitas pelos franceses mas sim pelos seus adversários.
O clima, no seu sentido literal, apresentou grandes problemas durante alguns dias. Paris registrou durante os Jogos as maiores temperaturas da sua história. Assim relata Greenberg (1987, p.22): "...O clima esteve bom, de fato bom demais algumas vezes - para a prova de 10.000m cross-country foi reportado estar acima dos 40ºC e mais da metade dos participantes não a completaram". Arnold (1983, p.42) também registra tal situação: "...De fato um dos apuros dos Jogos foi o intenso calor, que atingiu 45ºC quando a prova de 10.000m foi disputada". Embora Greenberg (1987) e Arnold (1983) tenham enfatizado os prejuízos que o calor causou nas competições, devemos lembrar que eles ficaram restritos às provas mais longas do Atletismo, não comprometendo a grande maioria dos esportes.
Os Jogos de 1924 foram um grande sucesso esportivo e tiveram grande presença de público, mas significaram uma derrota para os contribuintes franceses (ARNOLD, 1983). Carbonetto (1995) também lembra que o balanço econômico dos Jogos foi negativo, mas acrescenta que a Vila Olímpica estimulou o encontro e a amizade entre os atletas de várias nacionalidades e que os Jogos ganharam maior difusão através das crônicas de rádio. Fauria (1968) enfatiza que os organizadores franceses conseguiram superar as dificuldades e que os Jogos foram magníficos em virtude das grandes performances esportivas, da abundante participação e da presença de inúmeras personalidades do mundo da política, das artes e das letras. Varela (1988), dentre as personalidades, cita: D'Annunzio, Montherlant, Giraudoux, Valéry, Claudel, Braga e Prévost na literatura; Ravel, Honnegger e Dukas na música; e Léger, Dunnoyer de Segonzac y Maillol na pintura. Varela (1988) ainda lembra que eles participaram dos concursos de artes e que os Jogos de Paris marcaram a integração das Artes ao Esporte. Kelly (1972, p.79) assim resume o evento: "Os Jogos de Paris se constituíram um verdadeiro sucesso de técnica e de público, reunindo 625.821 espectadores para assistirem aos recordes mundiais e olímpicos dos principais atletas do mundo". Os autores olímpicos são praticamente unânimes ao afirmarem o sucesso dos Jogos de 1924, apesar de terem representado um fracasso financeiro. Entretanto, diante de todo o quadro histórico em que se desenrolou o evento, o saldo para o Movimento Olímpico foi altamente positivo.
Os Jogos Olímpicos de 1924 foram importantes para o Movimento Olímpico, que a partir deles começou a se solidificar como um grande evento esportivo mundial. Tudo isso foi testemunhado pelos aumentos do nível técnico das competições, do número de participantes, tanto como países quanto atletas, e da presença de personalidades e de representantes da mídia. O processo foi continuado nos Jogos Olímpicos seguintes.

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