quinta-feira, 20 de março de 2008

1920 - ANTUÉRPIA, BÉLGICA

Os Jogos Olímpicos de 1920, os sétimos da Olimpíada, foram sediados em Antuérpia, Bélgica. Apresentaram um grande significado para o Movimento Olímpico e tiveram como pontos principais: a compensação belga pelo sofrimento de Guerra; a ausência da Alemanha e seus aliados; a introdução da bandeira e do juramento olímpicos; a limitação material causada pelo pós-guerra; a conturbada chegada da delegação dos EUA à cidade belga; a fraca presença do público; o retorno da paz ao arrasado continente europeu; e a sobrevivência do Movimento Olímpico. Gherarducci (1984) informa que o Barão de Coubertin optou por manter os números de ordem dos Jogos Olímpicos, ainda que não realizados. Assim, os cancelados Jogos de 1916 são os "sextos" e os de 1920 os "sétimos" da Olimpíada.
Os membros do Comitê Olímpico Internacional, depois que foram assinados os acordos de paz que colocaram fim à Guerra Mundial, reuniram-se em Lausanne, Suíça, e decidiram manter a escolha de Antuérpia como sede dos Jogos de 1920. Aguardaram ansiosamente a resposta das autoridades belgas. O Rei Alberto I apoiava a realização do evento em seu território e queria aproveitar a ocasião para celebrar a libertação do país com o esplendor dos Jogos Olímpicos (FAURIA, 1968). Wallechinsky (2004) afirma que a escolha de Antuérpia teve como propósito honrar o povo belga pelo sofrimento a que havia sido submetido durante a Guerra, e ainda acrescenta que apesar de organizarem um evento simples, os anfitriões foram admirados pelo seu nobre esforço. Varela (1988, p.34) compartilha de opinião parecida: "Antuérpia, candidata em 1914 para os Jogos da VII Olimpíada, recebeu o encargo de organizar os Jogos de 1920, como recompensa também às penalidades sofridas durante a conflagração mundial".
Os belgas abrigaram o evento com grande entusiasmo, enfeitando as ruas da cidade com flores, lâmpadas coloridas e tabuletas luminosas. Bandeiras tremulavam sobre as casas que foram danificadas no conflito armado. Os habitantes procuraram camuflar as ruínas utilizando-se de enormes cartazes, coroas de flores e ramos de árvores. Várias festas populares eram celebradas e músicas se espalhavam por todos os cantos (SHTEINBAKH, 1981).
As limitações materiais foram o maior obstáculo enfrentado pelos organizadores, pois nem o governo, nem o município queriam arcar com os gastos. O financiamento dos Jogos ficou a cargo de um grupo financeiro de armadores, joalheiros e exportadores. Entretanto, como lembra Fauria (1968), a experiência não foi muito afortunada, pois os comerciantes, desejosos em recuperar os investimentos, venderam os ingressos a preços excessivos e acabaram intimidando a presença do público, que estava empobrecido por causa da Guerra.
A Alemanha e seus aliados, considerados países agressores na Guerra Mundial, não foram convidados para os Jogos. Wallechinsky (2004, p.8) relaciona os ausentes: "Como nações agressoras na Primeira Guerra Mundial, Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia (apesar das objeções do Barão de Coubertin) não foram admitidos tomar parte". Shteinbakh (1981) pondera que o Comitê Olímpico Internacional assumiu a responsabilidade de recusar convite à Alemanha e a seus aliados para evitar o embaraço dos belgas em terem seus agressores novamente em seu território. Entretanto, Fauria (1968, p.126) lamenta, mas a seguir compreende o ocorrido: "...O acontecimento desagradável, por estar contrário ao espírito olímpico, foi a exclusão da Alemanha e seus aliados, que era inevitável". As recentes lembranças da recém-finda Guerra Mundial não permitiam aos países agredidos perdoarem seus agressores. Naturalmente, com as feridas ainda abertas, os belgas não tolerariam a presença alemã. A Rússia também esteve ausente, com Shteinbakh (1981) indicando que o boicote político e econômico imposto aos soviéticos pelos países capitalistas incluía também as relações esportivas. Arnold (1983) opina contrariamente, dizendo que a URSS decidiu não participar. Porém, ficamos com Shteinbakh, que escrevia na União Soviética e tinha condições de se esclarecer melhor sobre o assunto. Carbonetto (1995) segue uma linha intermediária, apontando problemas internos e a fase de formação da União Soviética como indicadores da ausência da Rússia. Já a Finlândia competiu sob sua própria bandeira pela primeira vez na história olímpica, depois de obter sua independência junto à Rússia (GREENBERG, 1987).
Os Jogos Olímpicos da Antuérpia foram marcados por algumas inovações, como a primeira aparição da Bandeira Olímpica, elaborada em 1914, e a introdução do juramento olímpico feito pelos atletas, ritual que se incorporou ao protocolo olímpico. Como aponta Greenberg (1987), a bandeira olímpica de cinco anéis entrelaçados nas cores azul, amarela, preta, verde e vermelha, havia sido criada pelo Barão de Coubertin e se baseava num tema grego e simbolizava a amizade da natureza humana, de forma que pelo menos uma das cores estivesse presente nas bandeiras nacionais das nações do mundo. Fauria (1968, p.126), por sua vez, descreve as palavras proferidas pelo belga Victor Boin durante o juramento olímpico: "Juramos que nos apresentaremos nos Jogos Olímpicos como participantes leais, respeitadores dos regulamentos que os regem e desejosos de participar neles com espírito cavalheiresco pela honra de nossos países e a glória do esporte". Aos poucos os Jogos Olímpicos foram tomando a forma que apresentam nos dias atuais, ampliando cada vez mais os seus símbolos.
Antes do início dos Jogos, uma grande confusão atingiu a delegação norte-americana. O navio que a levou a Antuérpia pertencia à Marinha dos Estados Unidos, o SS Princess Matoika. As precárias condições da embarcação levaram os atletas norte-americanos a protestarem furiosamente, inclusive com ameaças aos dirigentes. A manifestação ficou conhecida como "O Motim de Matoika". Entretanto, a confusão continuou com a chegada a Antuérpia, depois que os atletas souberam que iriam ficar alojados em escolas ao invés dos hotéis luxuosos. Como escrevem Kieran, Daley e Jordan (1977,p.89): "Foi a inconfortável acomodação no barco que colocou os atletas em estado de irritação para a chegada a Antuérpia e abriu caminho para a Revolta da Antuérpia por causa das acomodações escolares". Entretanto, os norte-americanos conseguiram abafar a confusão e competiram sem maiores problemas nos Jogos Olímpicos.
Os Jogos de 1920 foram iniciados no dia 20 de Abril e encerrados no dia 12 de Setembro. Entretanto, as cerimônias oficiais de Abertura e de Encerramento ocorreram nos dias 14 e 29 de Agosto, respectivamente. Um total de 2.669 atletas, representando 29 países, incluindo 78 mulheres, competiu num inflacionado programa composto por 154 provas divididas entre 24 modalidades esportivas (KAISER, 2000). Na Cerimônia de Abertura, depois do Rei ter declarado abertos os Jogos Olímpicos, houve uma salva de sete tiros de canhões, um minuto de silêncio em memória dos desaparecidos na Primeira Guerra Mundial e a soltura de duas mil pombas simbolizando a paz. Durante a manhã, uma cerimônia religiosa foi celebrada na catedral de Antuérpia em homenagem aos desportistas falecidos (FAURIA, 1968).
A fraca presença do público marcou os Jogos de 1920, como anteriormente afirmamos. Kelly (1972) aponta como suas principais causas o tempo chuvoso e os altos preços dos ingressos. Entretanto, os organizadores perceberam a necessidade de dar maior acesso das disputas à população, já que não adiantava organizar um evento em honra a um povo e ao mesmo tempo limitar sua presença. Assim, o Comitê Organizador permitiu a entrada gratuita para os inválidos e estudantes, bem como liberou as tribunas laterais aos sábados para aqueles que não desejavam comprar ingressos (SHTEINBAKH, 1981). Conforme Schaap (1967, p.140): "Embora o governo belga construísse um novo estádio, com 30.000 lugares, e a admissão geral custasse apenas 30 centavos, a presença subiu acima de 10.000 apenas tarde nos Jogos quando crianças estudantes foram admitidas livremente".
O nível técnico das competições não foi tão bom quanto àqueles dos Jogos de 1912. Varela (1988) opina que as condições técnicas das instalações não permitiram muita evolução técnica. Shteinbakh (1981, p.83) pondera a respeito do assunto: "Nos Jogos das VII Olimpíadas foram obtidos vários resultados excelentes e muitos de nível médio. Mas como se podia esperar algo melhor depois da interrupção funesta de 1914-1918?".
Apesar de todas as dificuldades, os organizadores belgas dos Jogos foram os maiores vencedores do evento porque conseguiram provar que mesmo uma grande Guerra Mundial não poderia quebrar o espírito olímpico (GILLER, 1984). Toomey e King (1988) complementam afirmando que, apesar das performances desapontadoras, o fato dos Jogos terem se realizado teve um maior significado, pois nem mesmo a mais destruidora guerra do mundo, que se prolongou por mais de uma olimpíada inteira (quatro anos) não pôde retardar o movimento olímpico.
Em 1920 o Movimento Olímpico conseguiu provar que havia se consolidado no mundo, inclusive com a adesão de novos países, como o Brasil, que debutou nos Jogos Olímpicos na Antuérpia. Além disso, os países europeus também mostraram que poderiam viver em paz novamente, depois de um longo período de derramamento de sangue.
Este período que engloba os Jogos de 1896 a 1920 caracteriza o renascimento dos Jogos Olímpicos. Foi caracterizado por grandes desafios e exigiu uma grande perseverança do Comitê Olímpico Internacional pois foram necessárias muitas improvisações diante das dificuldades que se apresentaram. Na verdade, esses pioneiros não possuíam um modelo anterior próximo no qual pudessem se apoiar. Esta foi uma fase crítica e de formação dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. A partir dos Jogos de 1924, disputados em Paris, percebe-se uma consolidação dos Jogos Olímpicos e os comitês organizadores já não estavam mais sujeitos às instabilidades que afetaram as primeiras edições. Após sobreviver às primeiras décadas, os Jogos partem para uma fase de consolidação, que será abordada no próximo capítulo.

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