segunda-feira, 10 de março de 2008

1908 - LONDRES, REINO UNIDO

Os Jogos Olímpicos de 1908, os quartos da Olimpíada, foram sediados em Londres, Reino Unido. Seus aspectos mais importantes estão relacionados com: a recusa italiana em sediar os Jogos; a eficiência britânica; a lição aprendida com os exemplos de 1900 e 1904; o surgimento da primeira Reportagem Oficial dos Jogos; as inovações no ritual dos Jogos, como o desfile das delegações; a rivalidade entre EUA e Reino Unido; a parcialidade dos árbitros britânicos; a divergência cultural quanto a medidas; e a previsão de esportes de inverno.
A organização dos Jogos Olímpicos de 1908, inicialmente, foi concedida à Itália, mais precisamente à cidade de Roma. Entretanto, conforme afirma Wallechinsky (2004), a erupção do vulcão Vesúvio em 1906 fez com que o governo italiano concentrasse seus limitados recursos financeiros na reconstrução de Nápoles. Entretanto, outros historiadores citam a rivalidade interna entre as cidades italianas como a principal causa da desistência dos italianos. Valeriy Shteinbakh (1981, p.47) afirma:

Os italianos começaram a preparar com grande ardor as Olimpíadas, mas inesperadamente, pouco mais de um ano antes dos Jogos, renunciaram à sua realização. O CONI (Comitê Olímpico Italiano) informou ao Comitê Olímpico Internacional que não tinha a possibilidade de organizar os Jogos em Roma devido à oposição secreta em Milão, Turim e outras cidades do país. Embora Roma fosse capital da Itália, todas as grandes cidades deste país pretendiam a um papel exclusivo e não queriam admitir que Roma fosse destacada entre as demais cidades italianas. E os Jogos proporcionavam a Roma esta possibilidade. Portanto, os membros do CONI resolveram renunciar à realização das Olimpíadas sem se importar com o fato de que isso se ter tornado uma prova dura para todo o movimento olímpico
Em outras palavras, uma rixa interna entre as cidades italianas tirou de Roma a sede dos Jogos Olímpicos de 1908, embora haja corrente apontando a erupção do Vesúvio como a causa principal. Independentemente do motivo que forçou a recusa italiana, o Comitê Olímpico Internacional concedeu a organização dos Jogos de 1908 a Londres, deixando um limitado período de tempo, menos de 2 anos, para que os ingleses se preparassem para o evento. Além disso, no ano de 1908, como observa Fauria (1968), seria organizada, também em Londres, a exposição Franco-Britânica para comemorar um acordo cordial firmado em 1904 pelo Rei Eduardo VII e o Presidente francês M. Loubet. Nas edições anteriores, em 1900 e 1904, a conjugação de uma Feira Mundial com os Jogos Olímpicos provou-se catastrófica. Carbonetto (1995) afirma que os ingleses assumiram uma posição de não cometer os mesmos erros que afetaram as edições de 1900 e 1904, mas que tinham receio do fato de estarem abrigando uma Feira Mundial em ano olímpico. Porém, foram movidos pelo orgulho de triunfarem onde outros países haviam fracassado, solucionando possíveis problemas com a dilatação do término do calendário e evitando armadilhas de qualquer outra natureza. Com isso, os britânicos ofereceram uma organização prodigiosa, colocando em prática os planos do Barão de Coubertin. Fauria (1968) informa que o Lord Desborough, responsável pelo Comitê Organizador, afirmou que era essencial para a Inglaterra organizar os Jogos Olímpicos de maneira digna com a reputação esportiva dos ingleses, responsáveis pelo nascimento de tantas modalidades esportivas. Em 10 meses construíram um novo estádio no Bosque de Shepherd, e o mesmo incluiu uma pista de Atletismo, um velódromo, um campo de Futebol, uma piscina para Natação e uma Plataforma para as provas de Luta e de Ginástica (WALLECHINSKY, 2004). Num mesmo espaço os britânicos conseguiram incluir vários esportes, sendo que os mesmos eram os principais do programa olímpico.
A excelente organização inglesa foi complementada com a produção da primeira compreensiva Reportagem Oficial, copilada pela Associação Olímpica Britânica (WALLECHINSKY, 2004). A AOB corresponde ao Comitê Olímpico Nacional do Reino Unido. A elaboração da primeira reportagem serviu como modelo para os anfitriões seguintes e desempenhou um importante papel na preservação da memória olímpica. Em 1900, por exemplo, a falta de uma iniciativa semelhante deixou profundas lacunas na documentação dos Jogos de Paris. Atualmente, cada cidade que abriga os Jogos Olímpicos se compromete a publicar, dois anos após a realização dos Jogos, uma reportagem oficial que documente desde os processos de eleição até os resultados das competições esportivas.
Os Jogos Olímpicos de Londres foram inaugurados no dia 27 de Abril e encerrados no dia 31 de Outubro de 1908. Entretanto, tiveram uma Cerimônia de Abertura oficial em 13 de Julho e uma de Encerramento, também oficial, em 25 de Julho. Um total de 2.035 atletas participantes de 22 países, incluindo 36 mulheres, disputou 109 provas em 24 modalidades esportivas (KAISER, 2000). Logo na Cerimônia de Abertura surgiram problemas, pois os norte-americanos e os suecos se sentiram ofendidos por suas bandeiras não terem sido colocadas no estádio ao lado daquelas dos demais países. A Finlândia, apesar de participar com equipe própria, não pôde carregar sua bandeira por estar ainda sob domínio russo. Os irlandeses se sentiram contrariados quando souberam que teriam que competir sob bandeira britânica (KIERAN, DALEY & JORDAN, 1977). Os norte-americanos ficaram furiosos com a atitude dos britânicos e carregaram várias bandeiras durante o desfile de Abertura. Quando chegaram diante do Rei Eduardo, recusaram-se a inclinar a bandeira norte-americana em tributo à sua autoridade, quebrando o protocolo. A platéia britânica ficou enfurecida com a atitude, mas Martin Sheridan, que portou a bandeira dos Estados Unidos, teria dito palavras neste sentido: "Esta bandeira não se inclina para rei algum" (SCHAAP, 1967). Nos Jogos Olímpicos, desde o seu renascimento, sempre ficaram evidenciados os conflitos entre os países. E naquela época, em que predominava um forte imperialismo, era natural a tensão entre os mesmos.
Uma importante inovação no protocolo olímpico foi o desfile dos atletas divididos em Nações. Shteinbakh (1981, p.49) afirma:

Pela primeira vez durante o desfile solene, cada equipe marchava sob a bandeira do seu país e vestia seus trajes característicos. Anteriormente, os participantes dos desfiles de inauguração, quando se realizaram, vestiam os trajes esportivos

Wallechinsky (2004) complementa afirmando que pela primeira vez, na Cerimônia de Abertura, os atletas marcharam para dentro do estádio por nação. Ele ainda aponta que muitos países enviaram equipes nacionais selecionadas, fato que representou um grande avanço organizacional de cada país e trouxe como conseqüência uma melhoria do nível técnico das competições esportivas.
O programa de esportes pela primeira vez incluiu um esporte disputado no gelo, no caso, a patinação artística. Schaap (1967, P.108) percebe o pioneirismo: "O primeiro esporte de inverno, patinação artística, fez sua aparição no calendário olímpico...". Gherarducci (1984) afirma que a introdução desse esporte representou um tímido passo para a futura instituição dos Jogos Olímpicos de Inverno. O Comitê Olímpico Internacional, realizando Jogos Olímpicos para os esportes de inverno, procurou aproximar ainda mais do movimento olímpico os países nórdicos e alpinos.
A rivalidade entre o Reino Unido e os Estados Unidos, sua antiga colônia, ficou completamente evidente nos Jogos e se refletiu nas competições esportivas. Embora este estudo esteja abordando aspectos além do campo esportivo, o conflito entre britânicos e norte-americanos não teve nada relacionado com o esporte, mas sim às relações políticas de ambos os países no passado. Conforme Fauria (1968) o aspecto mais negativo dos Jogos de 1908 foi a parcialidade com que atuaram alguns árbitros, especialmente no Atletismo, na Esgrima e no Ciclismo. Fauria (1968) transcreve o comentário do Barão de Coubertin a respeito da rivalidade entre EUA e Reino Unido (1968, p.85):

(...) a batalha anglo-americana se concentrou no Atletismo, e ambas as partes colocaram à luta tal dureza e encarniçamento que aquilo parecia o despertar de todas as recordações históricas e inclusive a honra nacional parecia colocada em luta

Giller (1984) afirma que os Jogos de 1908 foram estragados pelas polêmicas e possivelmente decisões chauvinistas dos árbitros britânicos nas arenas esportivas, com particular prejuízo aos norte-americanos. Logicamente, movidos pela rivalidade entre os dois países.
Os exemplos da parcialidade dos ingleses se fizeram notar em várias disputas. No Atletismo, o norte-americano Carpenter venceu a prova de 400 metros, mas como o britânico Wyndham Halswelle foi prejudicado por ele, os árbitros anularam a prova e a remarcaram para dois dias depois. Com Carpenter desclassificado, os norte-americanos Robbins e Taylor protestaram e não correram a prova, que teve apenas a presença do britânico Halswelle, que correu sozinho e ficou com a medalha de ouro. Na Maratona, outro grave incidente ocorreu quando o italiano Dorando Pietri, ao entrar cambaleante no estádio, foi ajudado por árbitros britânicos que o levantaram quando passava mal e praticamente o conduziram à linha de chegada. Os norte-americanos protestaram e Pietri acabou desclassificado, ficando a vitória com o norte-americano John Hayes. No Ciclismo, a prova de velocidade ficou sem nenhum vencedor porque o francês Schilles, o primeiro a cruzar a linha de chegada, e os demais competidores ultrapassaram o limite de tempo regulamentar da disputa. Na Esgrima, Ortega (1988) cita o caso dos franceses, que foram todos colocados numa mesma chave eliminatória, posteriormente reformada após seus protestos mas que acabaram, ainda assim, prejudicados pelos árbitros que não anotavam seus toques nos combates. Kieran, Daley e Jordan (1977) afirmam que os suecos se retiraram das competições de Luta Greco-romana em protesto contra as decisões injustas dos britânicos.
As confusões apresentadas pela arbitragem dos britânicos levaram o Comitê Olímpico Internacional a passar o controle geral e a direção detalhada das competições da nação ou cidade anfitriã aos organismos governantes internacionais de cada esporte (KIERAN, DALEY & JORDAN). Schaap (1967, p.108) utiliza outras palavras: "Após os Jogos de 1908, a arbitragem e a supervisão dos eventos foram retiradas do país anfitrião e dadas a grupos internacionais".
Culturalmente, os países anglo-saxões utilizam um sistema de medidas próprio, em que as distâncias são medidas em pés, jardas, polegadas, milhas, e os pesos em libras. Fauria (1968) informa que surgiram algumas divergências entre o Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Organizador dos Jogos quanto à parte técnica das provas que seriam disputadas porque os ingleses consideravam uma humilhação o menosprezo ao seu sistema imperial de medidas. Alegavam que o sistema métrico lhes era prejudicial. O Barão de Coubertin, utilizando-se de conhecimentos da História, conseguiu convencer os britânicos, que se viram obrigados a utilizar o sistema métrico.
Os Jogos Olímpicos de 1908 apresentaram um excelente nível técnico e foram vitais para a sobrevivência do movimento olímpico depois dos fracassos de 1900 e de 1904. Greenberg (1987, p.18) escreveu: "...eles foram por larga margem os mais bem sucedidos até então e estabeleceram o modelo para os futuros Jogos". Segundo Toomey e King (1988) os controversos eventos dos Jogos Olímpicos de 1908, somados aos excelentes desempenhos atléticos, capturaram a atenção do público e da mídia, ajudando a instalar o ideal olímpico da competição internacional firmemente na idéia do público. Varela (1988) aponta dois fatores dos Jogos de 1908 de suma importância: primeiro, a estruturação regulamentada dos esportes, com a aparição das federações internacionais, imbuídas de propósitos sérios e voltadas para o futuro; segundo, a formulação da famosa frase, pelo arcebispo da Pennsylvania no serviço religioso que precedeu à inauguração dos Jogos, erroneamente atribuída ao Barão de Coubertin, com os dizeres de que "o mais importante não é vencer, e sim participar. Como na vida, o essencial não é o triunfo, mas a forma como se luta. O essencial não é haver vencido, mas sim vencer bem".
As palavras que poderiam resumir os Jogos de 1908 são organização, documentação, rivalidade.

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